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Histórias da Loucura: desenhos do Juquery

Albino Braz, Sem título (homem vestido com retrato na parede)

 

Histórias guardadas a sete chaves durante 40 anos. Eis que, em 2015, finalmente, estas histórias vêm à luz! É o inconsciente emergindo, a céu aberto, do acervo permanente mantido nos porões climatizados do Museu de Arte de São Paulo – MASP.

“Uma preciosa coleção de trabalhos dos internados no Hospital Juquery testemunhará a experiência desenvolvida no tratamento das doenças mentais”, diz Pietro Maria Bardí, diretor fundador do MASP, ao receber a doação feita por Dr. Osório César (1895-1979), em 1974.  Esse médico foi o pioneiro da prática artística em hospital psiquiátrico, em São Paulo, assim como a Dra. Nise da Silveira (1905-1999), no Rio de Janeiro.  Arte como ressonância de um trabalho inovador: “arte degenerada”, “arte dos alienados”, “arte bruta”… arte criativa como expressão de liberdade da “loucura discriminada e silenciada” nos confinamentos. Dr. Osório tinha plena convicção de que os trabalhos se tratavam de obras de arte.

Sutilmente o curador da exposição, Adriano Pedrosa, escolhe as palavras de Blaise Pascal, filósofo e teólogo do século XVII, para apresentar Histórias da Loucura: “Os homens são tão necessariamente loucos, que não ser louco seria outra forma de loucura”, e aqui poderíamos inserir o aforismo de Lacan – “todo mundo é louco, ou seja, delirante”.

Segundo Nise da Silveira, em O mundo das Imagens (1992, p.47), “em decorrência do avassalamento do consciente pelo inconsciente o indivíduo perde o contato com a realidade e desadapta-se do meio em que vive. […] O ateliê de pintura será um oásis, se o doente tiver a liberdade de exprimir-se livremente e aí relacionar-se afetivamente com alguém que o aceite e procure entendê-lo na sua peculiar forma de linguagem”.

Segundo Lacan, podemos pensar os desenhos desses sujeitos, seres que, embora falantes, encontram-se fora do discurso social, como um sinthoma, uma forma de fazer algum enodamento que os ajuda a lidar com o que manca no registro do simbólico, uma forma de lidar com o Outro simbólico, uma estratégia para debelar a angústia imaginária, por vezes avassaladora. Marcelo Veras, em entrevista sobre seu livro A loucura entre nós (2010), comenta a dificuldade da convivência com “os restos da sociedade”, pois pouco sabemos da singularidade da loucura, nem mesmo da singularidade da normalidade.

Porém, pode-se dizer que tanto o filme baseado em seu livro quanto os desenhos da exposição – profusão de animais, corpos de mulheres e de homens, vestidos ou despidos, espreitando passivamente ou copulando, frases e palavras aleatórias desconectadas, cenas religiosas -, estão centrados nas histórias singulares nas quais a loucura está presente. Cabe ao leitor do livro e ao observador dos desenhos iniciarem um processo de desconstrução do que pensam saber a respeito da loucura e da normalidade, como forma de aproximação de ambas. No fundo, no fundo, é como diz o ditado popular, “de artista e louco todo mundo tem um pouco”! Somos todos privilegiados?

Cláudia Aldigueri Rodriguez – 03/08/15

Histórias da loucura: desenhos do Juquery Exposição aberta ao público de 12 de junho a 11 de outubro de 2015. Local: primeiro subsolo do MASP.