CAIREL

AGOSTO 2024  No 1 Ano 1

À venda na Livraria EBP ou através da secretaria da Clipp.

Editorial

Um tecido sem acabamento pode se esgarçar, seus fios quebrarem desfazendo a tessitura, suas fibras pouco a pouco enfraquecerem. É preciso enlaçar os fios para que o tecido não se perca com a passagem do tempo. Dar-lhe uma borda não somente sustenta suas fibras como o ornamenta, realçando suas características. O cairel é a fita que contorna, cinge, resguarda.

Há 21 anos, em 2003, nascia a Clínica Lacaniana de Atendimento e Pesquisas em Psicanálise, a Clipp. Desde então, muito se produziu, se debateu, se construiu no Instituto. São 21 anos do Curso de Psicanálise, da Seção Clínica, de núcleos de pesquisa, seminários de leitura, jornadas e incontáveis outras atividades. A difícil tarefa de ensinar psicanálise sempre esteve no horizonte, numa época em que ela é reiteradamente condenada à morte.

A Revista Cairel nasce do desejo de retomar o trabalho produzido pela Clipp nesses 21 anos, dando-lhe um lugar, um contorno, um acabamento; proporcionando um porto para que essa produção não se perca, para que os debates travados não fiquem à deriva, possam ser retomados por todos aqueles que compõem a Clipp ou dela já fizeram parte de alguma forma, mas também ressoem em outras paragens, produzindo novos efeitos. E ir além, acrescentando contribuições para incrementar a conversa, fazer circular o saber.

Concebida a partir da estrutura criada há 21 anos para o Curso de Psicanálise da Clipp em que, a cada semestre, um dos cinco grandes casos clínicos de Freud é trabalhado, a Revista Cairel traz nesta edição “A histeria hoje”. Dora é a protagonista, como não poderia deixar de ser. Ela está quase o tempo todo presente para, a partir dela, alçarmos outros voos, perscrutando o que pode haver de novo na histeria, com os desdobramentos trazidos por Lacan, sobretudo a partir das modificações do conceito de Real.

Três dos cinco artigos que compõem esta revista são oriundos de atividades realizadas na Clipp. Helenice de Castro, colega da EBP-MG, abriu as atividades do Instituto em 2024 falando da histeria em tempos do declínio do amor ao pai. Uma nova sintomatologia da histeria se apresenta, desarticulada do sentido edípico. Um texto original, cuja densidade teórica convida à reflexão.

Em conferência realizada na Clipp em 2019, também na atividade de abertura do Instituto, Marcelo Veras, colega da EBP-BA, discorre sobre a histeria masculina. Marcelo mostra como, apesar de estar nos primórdios da psicanálise, a histeria continua surpreendendo, e seu texto é prova disso. Com elementos clínicos, teóricos e topológicos, a ideia de que a histeria é exclusividade das mulheres é desconstruída linha a linha e perspectivas inusitadas se apresentam.

O filósofo, psicanalista e músico, Vladimir Safatle, também está presente neste número inaugural da Revista Cairel. Associado Fundador da Clipp, Vladimir, tendo como pano de fundo seu recente livro Alfabeto das colisões, conduz a pensar sobre o que seria uma escrita de si, as formas que tomou ao longo da história e sua estreita relação com a psicanálise. Qual o tipo de escrita próprio em um “sistema de crises” que caracteriza o momento histórico atual? Como a psicanálise trata temas como o discurso de gênero cuja presença é cada vez mais flagrante em nossa clínica?

“As belas contingências que renovam o desejo”. Assim, Silvia Perassi, colega da EOL, recebeu o convite feito pela Clipp para traduzir e publicar parte de seu livro ¿Por qué la histeria hoy? Devenir del falo y lo feminino na Revista Cairel. Mas ela foi além, fazendo aportes, trazendo contribuições inéditas. “Vai para eles”, diz ela, “para aqueles que compõem a Clipp, estas novas linhas, em agradecimento por sua leitura e seu convite”. São linhas que ensinam do início ao fim, desde a histeria descoberta por Freud, que “inaugura uma nova relação entre o corpo e as palavras”, até as reformulações introduzidas por Lacan, sobretudo em seu último ensino, que promovem modificações no diagnóstico da histeria. Silvia, nós que agradecemos por sua gentileza e generosidade! Estas linhas são para nós, da Clipp, mas também para todos aqueles que tiverem o privilégio de as lerem.

Este número inaugural da Revista Cairel publica também uma entrevista realizada com Sandra Grostein sobre a Seção Clínica da Clipp e a formação do analista. Ninguém melhor do que a Sandra para falar sobre a história da Clipp desde o princípio. Integrantes da Seção Clínica formularam questões que foram cuidadosamente respondidas. Através delas, podemos conhecer aspectos do Instituto que ajudam a compreender o formato que tomou 21 anos depois de sua criação, não sem um embasamento teórico extremamente consistente.

A Revista Cairel é fruto de uma aposta feita pela diretoria da Clipp. Agradeço pelo empenho em fazer desse projeto uma realidade. Agradeço também a todos os colaboradores deste número cujo trabalho foi fundamental para chegarmos ao produto final.

Não poderia deixar de mencionar especialmente o Diretor de Publicações, Claudio Ivan Bezerra. Seu desejo decidido deu vida à revista; seu trabalho dedicado e determinado, permitiram que ela se efetivasse. A sintonia que adquirimos no decorrer da confecção desta Revista, em todas as suas etapas, permitiu que o trabalho se transformasse em satisfação. Penso que o produto que ora apresentamos ao público é a prova disso.

É com entusiasmo e boa dose de emoção que convido todos a usufruírem das linhas que seguem. Ao saborearem cada palavra estarão também comemorando os 21 anos da Clipp, que certamente tem muita história para contar.