EDITORIAL
Daniela de Camargo Barros Affonso(CLIPP/EBP/AMP)
Escrevo este editorial no momento em que a Ucrânia é bombardeada, matando centenas de pessoas e ferindo outras milhares. Embora Freud, em sua correspondência com Einstein, tenha apresentado a guerra como a expressão de um impulso destrutivo consubstancial ao humano, nós, assim como ele próprio, não cansamos de nos indignar com seus horrores. Falemos, pois, de psicanálise. Façamos psicanálise, não façamos a guerra.
Este número de Hades fala do amor. O amor na psicose, do que se trata? Iordan Gurgel, em entrevista concedida à CLIPP, aborda este estranho amor, chamado transferência, e suas vicissitudes no tratamento de psicóticos. O autor lembra: “o que se espera quando se está diante de um psicótico é que haja confiança, e o sujeito não se sinta ameaçado pela alteridade do analista”. Sabemos das dificuldades deste manejo, o que configura mais um bom motivo para a leitura desta entrevista com a qual aprendemos a cada linha.
Emanuelle Garmes trata de um outro aspecto do amor na psicose: a erotomania. Seu artigo atualiza o conceito, trazendo-o para os tempos digitais. Leitura fundamental tanto por seus aspectos clínicos, quanto pelo cuidadoso aprofundamento teórico sobre o tema.
Ainda no campo da psicose, Kátia Ribeiro Nadeau analisa o texto freudiano a respeito da perda da realidade na neurose e na psicose, para atualizá-lo a partir das elaborações de Lacan sobre o conceito de real. A autora lembra Lacan quando afirma que “todo mundo é louco”, quer dizer, delirante, pelo simples fato de sermos seres falantes. Isso implica que a perda da realidade tanto na neurose quanto na psicose seria “esse encontro, a marca da ausência de sentido nos seres falantes, quando o real se presentifica”.
Uma última recomendação se faz necessária: ouçam o podcast da CLIPP em que Eliane Costa Dias é entrevistada sobre o “Trans e a psicanálise”. Eliane fala de aspectos políticos, sociais e, sobretudo psicanalíticos, do fenômeno trans. A partir da política do sintoma e, portanto, da singularidade, a psicanálise pode oferecer referências para cada sujeito. Ela conclui que, para escutar e se deixar ensinar pela clínica com os sujeitos trans, “é fundamental que não submetamos o que é dito pelo paciente a valores ou ideais pré-concebidos”. E não seria este e somente este o caminho para que não se faça a guerra?