Noemi Araujo (CLIPP)
“O inconsciente é, no fundo dele, estruturado, tramado, encadeado, tecido de linguagem. E não somente o significante desempenha ali um papel tão grande quanto o significado, mas ele desempenha ali o papel fundamental. O que com efeito caracteriza a linguagem é o sistema do significante como tal. (Lacan, J. O Seminário – Livro III As Psicoses. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., p. 139).
Ao proferir o Relatório intitulado Função e Campo da fala e da linguagem em psicanálise, em 1953, ou o Discurso de Roma, Lacan oficializou seu movimento histórico, prolongado até a realização do seu Seminário XI (1964-1965), conhecido como retorno a Freud.
Inquieto com os acontecimentos e impasses teóricos e práticos da psicanálise daquele momento, Lacan investiu no retorno ao sentido freudiano da psicanálise, em lugar de uma certa papagaiagem. Para tanto, apropriou-se de conceitos da linguística estruturalista e os reordenou para usá-los, não como uma transposição mecânica, mas como uma reinvenção em favor da psicanálise. Ou para dar conta de suas inquietações acerca da impossibilidade de descolar o conceito de inconsciente da linguagem, já presente na elaboração de Freud sobre a as suas formações através de lapsos, chistes, sonhos ou sintomas? Em Função e campo… lemos:
Os conceitos da psicanálise são captados num campo de linguagem e seu domínio se estende tanto quanto é possível que uma função de aparelho, uma miragem da consciência, um segmento do corpo ou de sua imagem, um fenômeno social ou uma metamorfose dos próprios símbolos sirvam de material significante para aquilo que o sujeito inconsciente tem a expressar (Outros Escritos.2003, p 145).
O conceito de significante, que perpassa todo o Ensino de Lacan, teve como ponto de partida a apropriação do conceito de signo do linguista Ferdinand Saussure.
Emoldurado por um circulo, no centro temos a barra que separa o significante (imagem acústica) do significado (conceito a ser representado) e, ao mesmo tempo os liga, os colocam em relação; duas flechas mostram o caminho das duas faces do signo. Lacan contorce esse esquema ao retirar a moldura e as flechas, alojar o significante na parte superior da barra, escrito com S (maiúsculo), e o significado com s minúsculo, na parte inferior da barra.
Assim o significante, na concepção de Lacan, passa a ter prioridade sobre o significado e a barra que os separa (recalque) indica sua oposição. Depois o significante pode ser substituído por outo significante, independente do significado. Assim, na interlocução com Freud, Lacan apreende a condensação como metáfora por conta dessa substituição de um significante por outro e o deslocamento como metonímia (associação variada de palavras).
De posse do livro Memórias de um doente dos nervos (Schreber,1903), com Freud, Saussure e sua clínica psicanalítica, Lacan dedicou seu Seminário de 1955-1956 à pesquisa sobre as psicoses, mesmo lamentando as limitações impostas pelo próprio documento – não temos outra coisa, dizia ele referindo-se ao livro de Schreber. Não poupou elogios ao brilhante trabalho do autor.
A leitura da construção do discurso delirante de Schreber, naquele contexto cultural, possibilitou-lhe avançar suas elaborações sobre o conceito de inconsciente com a aliança estabelecida principalmente com a linguística estrutural. Foi na aula IX, intitulada “Do não-senso, e da estrutura de Deus” (01/02/1956) que Lacan definiu: O inconsciente é, no fundo dele, estruturado, tramado, encadeado, tecido de linguagem. E não somente o significante desempenha ali um papel tão grande quanto o significado, mas ele desempenha ali o papel fundamental. (Op. Cit., p. 139). O que, com efeito, caracteriza a linguagem é o sistema do significante como tal. Depois Lacan dedicará sua aula de 22/06/1964, do seu Seminário XI, para definir o que ele chamou de O inconsciente freudiano e o nosso.