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“NÃO SE TORNA LOUCO QUEM QUER”: A PSICOSE NA PRIMAZIA DO SIMBÓLICO

 

 

 

Mauro Restiffe @masp

“ (…) há uma loucura necessária, que não ser louco da loucura de todo mundo seria ser louco de uma outra forma de loucura”. (Lacan, J. O Seminário – Livro II I – As Psicoses. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., p. 26)

 

Niraldo de Oliveira Santos (CLIPP/ EBP/AMP)

Este pequeno ensaio visa comentar um trecho apresentado por Lacan na lição de 23 de novembro de 1955, de O Seminário, livro 3: as psicoses: “(…) há uma loucura necessária, que não ser louco da loucura de todo mundo seria ser louco de uma outra forma de loucura”1.

Trata-se, como sabemos, do momento estruturalista do ensino de Lacan. Aqui ele retoma esta passagem de Blaise Pascal, filósofo e teólogo francês do século XVII – a quem Lacan recorre em diversos momentos do seu ensino – para denunciar os paradoxos e confusões implícitas nas premissas teóricas apresentadas até então em torno da loucura. O trecho se insere no bloco das 4 primeiras lições, que foi nomeado por Jacques-Alain Miller como “Introdução à questão das psicoses”, quando do estabelecimento do Seminário 3.

Ao fazer esta retomada do lugar que as psicoses ocupavam na filosofia e na psiquiatria da época, Lacan assume o risco de trazê-las para o primeiro plano na teoria psicanalítica, ficando famosa, entre nós, a firme indicação de não cedermos frente às psicoses. É, sem dúvida, um momento primordial da psicanálise neste campo, pois Lacan retoma a questão colocando também os problemas do tratamento como “ponto de mira”2.

Lacan lê “Memórias de um doente dos nervos”, de Daniel P. Schreber, seguindo as coordenadas da leitura original que Freud fez da autobiografia do Presidente Schreber: “A novidade do que Freud introduziu quando abordou a paranoia (se destaca) em contraste com os discursos contemporâneos sobre a psicose”3. Lacan fala aqui de um “começo absoluto” em relação ao que Freud inaugura em relação à paranoia, e empreende um profícuo trabalho de diferenciar os registros do imaginário, real e simbólico, mostrando como este último exercia uma primazia na estruturação do psiquismo, em decorrência dos destinos verificados no complexo de Édipo.

Ao garimpar nos textos Freudianos os termos Bejahung, Verneinung e Verwerfung, para citar apenas alguns deles que nos interessam aqui, Lacan diferencia o retorno do recalcado – que “(…) se exprime de maneira perfeitamente articulada nos sintomas e numa multidão de outros fenômenos”4 – do golpe da Verwerfung, ou seja, da foraclusão do significante Nome-do-Pai, como uma recusa do acesso ao mundo simbólico frente à ameaça de castração. Neste caso, conta-nos Lacan, “tudo o que é recusado na ordem simbólica, no sentido da Verwerfung, reaparece no real”5. Neste momento de seu ensino, Lacan destaca que as psicoses decorrem precisamente de uma questão de estrutura, e não de uma psicogênese.

Se a frase de Pascal, inserida naquele contexto do Seminário 3, parece apontar para uma certa confusão ou paradoxo em relação à loucura, ao fazermos um curto-circuito temporal para outro momento do percurso de Lacan, aquele dos anos 1970, certamente poderíamos ler ali o aforismo “Todo mundo é louco”6! Quer seja dessa “loucura de todo mundo”, ou de uma “outra forma loucura”, aquela radicalmente singular na qual a psicanálise aposta. Mas essa já é uma outra história…

 

 

 

1 Lacan, J. O seminário, livro 3: as psicoses. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002, p. 26.
2 Idem, p. 11.
3 Idem, p. 18.
4 Idem, p. 21.
5 Idem, p. 21.
6 Lacan, J. Transferência para Saint Denis? Lacan a favor de Vincennes! In: Correio. Revista da Escola Brasileira de Psicanálise, (65). São Paulo: EBP, 2010/1978, p. 31.