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O AMOR MORTO NAS PSICOSES

 

Maria Martins : desejo imaginante @masp

Perpétua Medrado Gonçalves (CLIPP/EBPSP)

 

“… para o psicótico uma relação amorosa é possível abolindo-se como sujeito, enquanto ela admite uma heterogeneidade radical do Outro. Mas esse amor é também um amor morto.” (Lacan, J. O Seminário – Livro III As Psicoses. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., p. 287)

 

Ao ler o parágrafo sugerido pela Coordenação do Boletim HADES, surgiu uma pergunta que ficou para mim desde quando trabalhamos no “Núcleo de Apresentação de pacientes e Psicose” o livro O amor nas psicoses – o que Lacan quer dizer que o amor na psicose é um amor morto?

Podemos ler nessa afirmação de Lacan o que buscamos responder, pelo fato de haver uma possibilidade de amor nas psicoses, ou seja, um amor morto, uma vez que a relação amorosa possível para o psicótico implicará a anulação de sua condição de sujeito e, ao mesmo tempo, garante uma heterogeneidade radical do Outro. É um amor possível, mas morto, que, referido ao Outro como absoluto, abole o sujeito. “O Outro radicalmente Outro, sem fissuras, sem barra, absoluto,” […] “onde o parceiro amado torna-se um Outro radicalmente Outro”. 1

Cabe aqui trazer o texto “Palavras preliminares” de Jacques-Alan Miller (2008) no livro O amor nas psicoses, que a partir dos casos apresentados e comentados, coloca em relevo um aspecto do amor nas psicoses, esse caráter mortífero ou mortificado, e levanta algumas questões: esse caráter mortífero está ligado ao fato de que o sujeito só ama a si mesmo, ou ama um ideal pelo qual substitui a realidade do parceiro? Ou será que o sujeito psicótico ama o Outro, tão Outro que não pode se encarnar em um ser vivente, mas em uma ficção delirante? Ou será que o sujeito psicótico ama apenas seu delírio, como diz Freud? Isso implica dizer que o amor nas psicoses nos ensina sobre “essa loucura comum que é o amor”, (12) sobre o amor transferencial, sobre a erotomania, e também sobre o amor em geral, pois suas múltiplas características aplicam-se ao amor como tal. 2

Amar é, antes de tudo, ser amado

Lacan, no Seminário 3, mostra como o objeto de amor se torna o principal perseguidor para o paranóico. “O grande perigo de Deus é, afinal de contas, o de amar demasiado Schreber.” (84) […] “No caso Schreber, não é a ele que eu amo, é um outro, um grande Ele, o próprio Deus, se inverte em ele me ama, como em toda erotomania”. (349 e 350) [… ] “É Schreber quem vai ganhar o amor de Deus até por em perigo sua existência, ou é Deus quem vai possuir Schreber, e em seguida abandoná-lo?” (82) Vemos aqui a necessidade de Schreber implicada nessa erotomania divina: é Deus quem o ama, transformando-o em mulher e que pode abandoná-lo. 3

Podemos dizer que Schreber responde a isso a partir da sua transformação em mulher, do empuxo-à-mulher, ou seja, responde desde a sua posição de gozo na qual o psicótico responde ao gozo mortífero do Outro.

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1 – SALGADO, M. Amor loco: morto. In: La locura de cada uno, Olivos: Grama Ediciones, 2019.

2 – MILLER, Jacques-Alain . Palabras preliminsres. In: El amor en las psicosis. Paidós: Buenos Aires, 2008.

3 – LACAN, Jacques. (1955-56) O Seminário, livro 3: As psicoses. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988.