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O MEDO DE HANS: SOBRE FOBIA, ANGÚSTIA E SABER

Prisonded Mind by Waone Iteres Nikazki

Maria Cristina Merlin Felizola (CLIPP)

 

Neste texto, o autor ressalta que para Lacan a manifestação do “faz pipi” i de Hans que se agita e se torna real é o elemento chave para a compreensão do caso, pois causa uma modificação na sua economia libidinal. Algo do real que comparece e com o que Hans vai ter de lidar.

Hans sofre uma ameaça da mãe: “se você não parar de brincar com seu faz pipi, chamarei o Dr. A para que corte seu faz pipi. E aí como você vai fazer pipi?”.

Ele não foi afetado naquele momento; esta ameaça, a princípio, não teve consequências. Hans respondeu que poderia fazer com o bumbum e não demonstrou sinal algum de culpa.

Para Freud, este foi o momento em que Hans adquiriu o complexo de castração ii. Para Lacan, é algo do pulsional que se manifesta.

Hans “nada em felicidade”, tem um pai amoroso e permissivo, de vanguarda, e uma mãe caprichosa. Em sua educação, o objetivo era que não tivesse frustação alguma.

Sabemos que uma criança está inserida numa família e que além das necessidades básicas (alimento, cuidado e proteção) é preciso algo mais para se dar a constituição subjetiva. Pai e mãe são funções constituidoras da subjetividade. A mãe é na medida em que seus cuidados trazem a marca de um interesse particularizado iii, pois ela se interessa por algo que a criança tem. O pai, “na medida em que seu nome é vetor de uma encarnação da lei no desejo.”iv

Minha pergunta seria: O que pode barrar o desejo da mãe?

Lacan diz: O pai põe limite ao desejo da mãe em relação ao filho. O Nome-do-pai é o vetor de encarnação da lei, deve limitar e nomear – é uma lei simbólica. Um nome que separa mãe e filho v. Não é da natureza, mas da cultura.

Luiz Felipe ressalta que a metáfora paterna não é uma barra ao desejo da mãe, mas sim uma maneira de localizar numa função operatória, o indeterminado do desejo do Outro. É o falo simbólico que faz essa função operatória vi.

Porém, hoje o pai já não faz tão bem esta função, não estamos mais tão ligados ao regime da lei e do simbólico. Isto pode deixar a criança mais exposta aos caprichos da mãe, mas, ainda assim, é preciso fazer um percurso, sair da condição de objeto, para ser um sujeito.

Para Freud, o magno acontecimento da vida de Hans foi o nascimento de Hanna, sua irmã. A chegada da cegonha, a presença do médico e a bacia de sangue. O que era tudo aquilo? Ele não acreditou na cegonha, mas se perguntou de onde vêm os bebês? Como se tem crianças? Hans adoeceu e talvez tenha conseguido algum consolo ao depreciar sua irmã: ela não tem dentes e seu faz pipi é pequenininho.

Hans tem seus sintomas intensificados quando fica doente e mais exposto aos cuidados da mãe. Tem um sonho, sua mãe vai embora e não mais pode mimá-lo. Este seria a base do fenômeno e de sua patologia para Freud.

Luiz Felipe nos traz todo um percurso do drama de Hans: a emergência pulsional do faz-pipi abala sua vida prazerosa de felicidade com a mãe. A presença real do pênis excitado modifica o mundo de Hans e sua relação com os pais. “Sobre esta satisfação corporal o enredo de ser o filho não é mais suficiente. Aí se introduz um intervalo entre os significantes que compunham seu mundo e o lugar de ser o falo do Outro perde uma consistência que desvanece em angústia.”

Diante da opacidade do desejo do Outro, Hans fica confuso e se interroga. O que ela quer de mim? Como não consegue responder, surge sua fobia. Este é um enigma que não tem resposta.

Para não ser assujeitado é necessário que apreça alguma coisa que lhe meta medo vii.

Luiz Felipe nos trouxe o Caso Hans do século XXI, onde o simbólico já não tem primazia e o real do gozo pode comparecer mais intensamente.

*(Comentário do texto de Luiz Felipe Monteiro)  na aula inaugural do Curso de formação da CLIPP – Módulo: O Pequeno Hans.

i Lacan, Jacques. in Seminário IV. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1995.
ii Freud, Sigmund. O Pequeno Hans. Rio de Janeiro: Imago Editora, 2006.
iii Lacan, Jacques. Nota sobre a criança in Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1995. P. 369 – 370.
iv Ibid. p. 369 – 370
v Lacan, Jacques. in Seminário IV. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1995.
vi Lacan, Jacques. in Seminário IV. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1995.
vii Lacan, Jacques. in Seminário V. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1995. P. 196.