Rosângela Carboni Castro Turim (CLIPP)
“ (…) Qual será essa parte, no sujeito, que fala? A análise diz – é o inconsciente. Naturalmente para que a questão tenha sentido, é preciso que vocês tenham admitido que esse inconsciente é algo que fala no sujeito, além do sujeito, e mesmo quando o sujeito não o sabe, e diz sobre isso mais do que crê”. (Lacan, J. O Seminário – Livro III As Psicoses. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, p. 52)
Ao ler o parágrafo proposto que se encontra no seminário sobre as psicoses, pressupõe-se que se trata de uma formulação de Lacan sobre o “inconsciente estruturado como linguagem”, o que se fala e o que diz do sujeito, próprio de cada estrutura, bem como “o inconsciente a céu aberto”, característico da estrutura psicótica.
Lacan aqui aponta uma diferença entre a alienação como forma geral do imaginário e a alienação na psicose. “Ele (o paranoico), fala com vocês de alguma coisa que lhe falou. O próprio fundamento da estrutura psicótica é que o sujeito compreendeu alguma coisa que ele formula, que lhe fala. Ninguém duvida que seja um ser fantasmático, nem mesmo ele.” 1
O inconsciente para Freud, no neurótico, apresentava-se cifrado e, através das construções em análise, a partir de suas formações como chistes, atos falhos, sonhos e sintoma, era possível decifrar o sentido, que estava sob recalque.
No caso Schreber, Freud localizou um mecanismo diferente do recalque – a foraclusão – ideia rejeitada que vinha desde fora. O desejo homossexual na ideia de “como deveria ser belo ser uma mulher no momento da cópula” foi expulsa e rejeitada. Há uma regressão à fase narcísica e pelo mecanismo da projeção ele desemboca na construção do delírio descrito no seu livro de memórias. Já em Freud, o delírio se apresenta como uma tentativa de cura para o psicótico.
Para Lacan, o sujeito neurótico submetido à significação fálica, é ordenado pelo Nome-do-Pai, Metáfora Paterna. Assim, o inconsciente vem à tona, como em Freud, através de suas formações. Algo que Lacan acrescenta é que, o que as formações do inconsciente são para a neurose, os fenômenos elementares ou de franja são para a psicose: isso oferece um importante diferencial clínico no diagnóstico e na direção do tratamento. Outra formulação preciosa de Lacan sobre a psicose é a estabilização pela via substitutiva da metáfora delirante, que mesmo capenga, faz a função de marca-passo como a metáfora paterna na neurose. Para Schreber, “ser a mulher de Deus” o estabiliza por um tempo.
O inconsciente, este “algo que fala no sujeito, além do sujeito, mesmo quando ele não o sabe e diz mais sobre isso do que crê” é do que se trata uma análise. Lacan acrescenta que “nas psicoses é isso que fala”.2 Neste trecho aponta que toda a questão é saber como isso fala e qual é a estrutura do discurso paranoico: responde com a formulação freudiana da projeção descrita no caso Schreber. Toma a frase “Eu o amo” e as possíveis negações e inversões e, com o mecanismo da projeção, culmina no delírio de perseguição: “ele me odeia, me persegue”. Há uma alienação convertida aqui, do amor ao ódio. Lacan também fala de uma alienação divertida na erotomania, por se tratar de um objeto platônico.
Tal síntese aponta uma abertura de investigação proposta por Lacan, das relações com o Outro nos delírios, no sentido de diferenciar a psicose e a neurose, através destes termos. O “sujeito, aquele que fala, e o outro com o qual ele está preso na relação imaginária, centro de gravidade do seu eu individual, e no qual não há palavra.”3
Posteriormente, no segundo ensino, com Joyce e a clínica dos nós e da suplência, Lacan formula que “isso fala, isso goza”, incluindo assim o gozo na linguagem, para além do sentido.
1 Lacan, J. O seminário, livro 3, as psicoses, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, p. 52
2 Idem, p.52
3 Ibidem, p.54