
Fonte: Frank Stella, “Harran II”, 1967
Sílvia Lourenço (CLIPP – Curso de Psicanálise)
Em agosto de 2024, o núcleo de psicanálise e medicina da Clipp coordenado por Eliane Costa Dias e Niraldo de Oliveira Santos, se propõe a percorrer o Seminário 19 “… ou pior” de 1971-1972. Considerado o ponto de partida para o último ensino de Lacan, este seminário prenuncia a peleja do falasser em busca da completude impossível contida na não-relação sexual. Pois aqui, “Há-um!”, aqui, corpo e linguagem entram em jogo nos mais diversos modos de gozo e discursos permeados por um real que não cessa de se escrever. Aqui, pela primeira vez em seu ensino, Lacan menciona o nó borromeano. E aqui, coube a mim, como aluna do curso de psicanálise e participante do núcleo, oferecer uma provocação em forma de comentário sobre a lição 6 deste seminário intitulada “Peço-te Que Me Recuses o Que Te Ofereço”.
Lacan diz que “Peço-te que me recuses o que te ofereço” é a verdadeira carta de amuro, o que me levou à leitura do texto Estou falando com as paredes. Na conferência feita para psiquiatras em Sainte-Anne, Lacan cita a repetição e introduz uma questão lógica: para que haja repetição não pode haver apenas o um e o dois, há que haver uma terceira vez. E isso leva ao conceito de Nachträglich, a posteriori. E nós, que já conhecemos o futuro dessa história, sabemos que ela passa pelo gozo e desemboca em Não há relação sexual. Mas há que se entender como se desata esse nó. O psicanalista parte da forma arquitetônica da capela – feita para circundar o vazio – para chegar ao objeto a e enfim propõe o que para mim foi a questão norteadora da leitura da lição 6: “como pode um analisando ter vontade, algum dia, de se tornar psicanalista?” (LACAN, 2011).
Com esta indagação em mente, passei a tentar desemaranhar o nó inaugural que parte da necessidade de transmitir algo que como o objeto a, não é significantizável, mas sustenta de maneira interdependente os elementos do pedido, da recusa e da oferta na sentença “peço-te que me recuses o que te ofereço, porque não é isso”. E Lacan insere também a questão do desejo quando fala que a demanda é propriamente um não saber sobre onde situar o objeto do desejo. Porém, ao seguir puxando os aros do barbante borromeano, aparece uma fenda entre o que tenho a te pedir e o que posso te oferecer, sendo impossível sustentar a relação entre o pedido e a recusa e entre a recusa e a oferta. E então, numa lógica direta, a sentença aparece assim: “O que eu te ofereço não é o que desejas, eu te peço que recuses.” (LACAN, 2012) Ao romper um aro do nó borromeano, os outros dois inevitavelmente se soltam. Portanto, não há como obturar a coisa com o que “tu desejas”.
Ao final da lição, Lacan diz que uma análise só termina quando alguém pode dizer não “eu falo contigo”, nem “eu falo de mim”, mas é “de mim que eu te falo”. E essa mudança de posição subjetiva (o que provavelmente também implica em uma mudança no modo de gozo), se deve ao desejo de analista na sustentação de semblante de objeto a, já que em uma análise, há o reconhecimento justamente de que o que se demanda não é isso.