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Psicanálise americana & manipulação das massas

É possível enganar algumas pessoas todo o tempo; é possível enganar todas as pessoas por algum tempo; o que não é possível é enganar todas as pessoas todo o tempo”

(Abraham Lincoln)

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Cláudio Ivan Bezerra (CLIPP)

O documentário produzido pela BBC The Century of Self,dirigido por Adam Curtis, narra no segundo capítulo: A Engenharia do Consentimento (The Engineering of Consent), uma parte da história recente na qual técnicas psicanalíticas fizeram parte da construção da Comunicação Social, em meados de 1940, por agências americanas de publicidade.

Em resposta ao Holocausto, autoridades americanas passaram a questionar se seria possível, através do uso das descobertas de Freud, manter o “controle de forças” ocultas humanas para proteger a nação, evitando assim seu enfraquecimento democrático e uma possível instalação de regimes ditatoriais, como comunismo, nazismo, fascismo, etc.

Os protagonistas da época foram Edward Bernays (publicista – 1891/1995), um dos maiores relações públicas da história (sobrinho de Freud) e Anna Freud (1895-1982), líder do movimento psicanalítico. Ambos tiveram papéis importantes junto às autoridades, a CIA, além do varejo e da indústria americanas. Anna, em razão do compromisso selado com seu pai, passa a propagar as ideias psicanalíticas pelo Novo Mundo. Sua missão foi além de levar o legado freudiano para um lugar seguro, onde pôde também fornecer suas próprias teorias e descobertas experimentais aos neofreudianos. Especializando-se no tratamento analítico infantil, foi uma grande estudiosa da personalidade a partir do desenvolvimento do ego com ênfase no ID (isso), fundando a chamada “Psicologia do Ego”.

Em Psicologia das Massas e Análise do Eu (1921), Freud faz uma releitura da obra do antropólogo Gustave Le Bon: “(…) um indivíduo pode ser colocado em um estado tal que, tendo perdido sua personalidade consciente, ele obedece a todas as sugestões do operador que o fez perdê-la e comete os atos mais contrários ao seu caráter e aos seus hábitos”. Esse indivíduo torna-se assim, um autômato destituído da sua própria vontade, diante de sua posição dentro do rebanho, numa massa, com a ilusão de uma força ilimitada e de um perigo imbatível. Diante deste quadro, impossível não lembrar o papel violento exercido por torcidas organizadas, facções criminosas e, até mesmo, o cenário político recente em nosso país.

Se por um lado, as massas aglutinadas parecem unificar uma identidade, tem-se a impressão que, na vida singular, os rumos levam a lugares diferentes. No apogeu de uma época, meado do século XX, tratou-se da construção do modo de vida americano regulado pela publicidade, mídia de massa, consumo e de uma cultura estabelecida pelo ego. Os filhos da psicanalista americana Dorothy Burlinghon, analisados nos anos 1930 por sua companheira Anna Freud, voltaram já adultos para Londres, depois de uma vivência nos EUA. Com problemas na vida adulta e em seus casamentos, Bob enfrenta o alcoolismo e Mabbie Burlinghon crises de angústia.

Se a identificação em massa é paga pelo preço da própria singularidade, parece que algo de um sintoma vem a eclodir nas próximas décadas. No Seminário VII – A Ética da Psicanálise, Lacan diz que sintoma é o retorno, por via de substituição do significante, do que se encontra na ponta da pulsão como seu alvo; portanto, se na tentativa do “controle das forças humanas” pelo ego há algo que sempre escapa, fracassa, tudo o que existe não vive senão na falta-a-ser. Um caldo sociocultural, preenchido pelo desejo artificial, parece não sustentar a demanda de uma sociedade que passa a se constituir com reivindicações e transgressões de sua própria época.

Há algo que se encontra muito além da questão cultural, capaz de gerar o mal-estar na contemporaneidade?

Marie-Hélène Brousse em sua obra O Inconsciente é a Política, diz que não devemos considerar os modos de gozo antigos, melhores que os atuais, e alerta no sentido mais genuíno da psicanálise, que se encontra na família a origem da patogenia.