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SINTOMA, NÃO SEM INIBIÇÃO E ANGÚSTIA

                        Cecília Vicunã

 

Rosangela C Castro Turim (CLIPP)

“O sintoma é o que mais de real a psicanálise nos dá.” Tal afirmação de Miller em “Ler um sintoma” provocou uma questão da clínica, principalmente com adolescentes, onde o “fora do sentido” do real, a angústia ou até mesmo a inibição, não cessam de se inscrever, como resto sintomático, resistindo à interpretação do sintoma.

Em “Inibição, sintoma e angústia” Freud delimita os conceitos de inibição e sintoma. Escreve – “eles não se originam do mesmo solo. A inibição tem uma relação especial com a função e não significa necessariamente algo patológico.” A inibição é a limitação de uma função que pode ser sexual, da nutrição, da locomoção ou do trabalho. Já o sintoma indica a existência de um processo patológico.

Segundo Freud, “o sintoma é indício e substituto de uma satisfação instintual que não aconteceu, é consequência do processo de repressão. Esta procede do Eu, que – por solicitação do Supereu, eventualmente – não deseja colaborar num investimento instintual despertado no Id. Através da repressão, o Eu obtém que a ideia portadora do impulso desagradável seja mantida fora da consciência.”

O sintoma como uma das formações do inconsciente, como os sonhos e atos falhos, tal como formulou Freud, é passível de interpretação, de decifração, pois é cifrado. Ao mesmo tempo, o sintoma aponta para uma satisfação.

No texto “Ler um sintoma”, Miller aponta o paradoxo com que Freud se deparou num segundo tempo com a persistência do sintoma depois da interpretação. O paradoxo aqui é o do resto, há um x que resta mais além da interpretação freudiana. Ainda segundo Miller, Freud se aproximou disso de distintas maneiras – pôs em jogo a reação terapêutica negativa, a pulsão de morte e ampliou a perspectiva até dizer que o final da análise como tal deixa sempre subsistir o que chamava de restos sintomáticos. Freud chocou-se com o real do sintoma – com o que no sintoma é fora de sentido.

Como praticantes da psicanálise de orientação lacaniana, passamos certamente pelo momento de decifração da verdade do sintoma, mas assistimos à confrontação do sujeito com os restos sintomáticos e sabemos que há o gozo do sintoma. Portanto, trata-se de uma redução.

Miller adverte quanto à consequência de se inflar o sintoma, quando ele é alimentado com sentido, e propõe que “ler um sintoma vai no oposto, consiste em privar o sintoma de sentido. Por isso Lacan substitui o aparato de interpretar de Freud, o ternário edípico, por um ternário que não produz sentido, o do Real, do Simbólico e do Imaginário. Ao deslocar a interpretação do quadro edípico em direção ao quadro borromeano, é o funcionamento mesmo da interpretação que muda e passa da escuta do sentido à leitura do fora do sentido.”

Para Miller, o analista pode e deve ir além da escuta, pois o que se escuta é sempre o sentido e o sentido chama sentido. Trata-se de explorar o que pode a psicanálise, no nível da leitura, quando se toma distância da semântica. A leitura, o saber ler consiste em manter à distância a palavra e o sentido que ela veicula, a partir da escritura como fora de sentido, como letra, de sua materialidade. A interpretação que se sustenta puramente no nível da palavra não faz mais que inflar o sentido, a disciplina da leitura aponta para a materialidade da escritura, quer dizer, a letra enquanto produtora de acontecimento de gozo que determina a formação dos sintomas.

Para Miller, a interpretação como saber ler visa reduzir o sintoma a sua fórmula inicial, ao encontro material de um significante e do corpo, quer dizer, ao choque puro da linguagem sobre o corpo. “Para tratar o sintoma é preciso passar pela dialética móvel de desejo, mas também é necessário se desprender das miragens da verdade que essa decifração lhes aporta e apontar mais além, à fixação do gozo, à opacidade do real.”

Na clínica, principalmente com adolescentes, onde testemunhamos as soluções de cada um diante do encontro com o real da puberdade, somos convocados à leitura do sintoma, pois há um crescente desinteresse pela interpretação do sintoma pela via do sentido, e o manejo da angústia continua sendo bem atual, assim como a presença da inibição como defesa da angústia.

 

Referências bibliográficas

Freud, S. “Inibição, sintoma e angústia.” In: Obras completas, vol. 17, Cia das letras, São Paulo

Miller, J.-A “Ler um sintoma.” In: Opção lacaniana n.70, junho 2015