Leny Magalhães Mrech(EBP/AMP/CLIPP)
Em 1931 Freud já se dedicava a pensar as questões da guerra. Ele escreveu O manuscrito inédito de 1931, possivelmente em conjunto com William Bullitt (embaixador americano na União Soviética e, posteriormente, embaixador em Paris) um pequeno opúsculo a respeito de Thomas Woodrow Wilson, presidente dos Estados Unidos da América. Contudo, esta obra teve uma série de impasses e só foi publicada em 1967, em inglês. Muitos psicanalistas questionavam se realmente a escrita era de Freud e se Bullitt trabalhou verdadeiramente com ele; sabe-se que o primeiro capítulo foi reconhecido como sendo escrito por Freud.
Em 2017, através da comparação de diferentes textos, foi publicada uma versão revista e ampliada do Manuscrito de 1931, onde se constatou que frases inteiras haviam sido apagadas, distorcidas, invalidando as considerações mais profundas de Freud. Desde aquele momento, pode-se dizer que Freud já havia manifestado sua preocupação com o presidente Wilson que, em sendo um homem religioso, teria dificuldade de dar conta de seu papel numa situação tão crítica quanto a da guerra.
Em 1932 Freud recebe uma carta de Albert Einstein em nome do Instituto Internacional para a Cooperação Intelectual, pertencente à Liga das Nações, para responder a algumas questões. Einstein escolhe Freud para responder a principal delas: existe alguma forma de livrar a humanidade da ameaça da guerra? Novamente, a questão da guerra chega ao debate para Freud.
Einstein levanta algumas questões bastante pertinentes e espera que Freud possa elucidar o problema mediante o auxílio do seu profundo conhecimento da vida instintiva do homem. E vai mais além nas suas esperanças ao propor que o senhor será capaz de sugerir métodos educacionais situados mais ou menos fora dos objetivos da política, os quais eliminarão esses obstáculos.
Freud, por seu lado, não se propõe a dar soluções, mas a delimitar melhor o problema. Começa destacando a relação entre direito e poder e, logo em seguida, substitui por violência, destacando que Atualmente, direito e violência se nos afiguram como antíteses.
Revela depois que uma se desenvolveu do outro, redundando que os interesses humanos são sempre resolvidos pela violência, e, historicamente, a força muscular foi substituída pelos instrumentos.
Freud assinala que a dominação sempre esteve em poder daquele que detivesse um poder maior, seja pela violência bruta ou pela violência apoiada no intelecto.
Os indivíduos fracos poderiam se coligar pela união; nesse caso, Freud destaca que a lei é a força de uma comunidade. A violência pode passar de um indivíduo para uma comunidade. Ele assinala ainda que a comunidade abrange elementos de força desigual – homens e mulheres, pais e filhos – (…) vencedores e vencidos. Há graus desiguais de poder nela vigentes.
Certos detentores de poder, revela Freud, tentam se colocar acima dos demais e os membros oprimidos tentam se pautar em uma justiça igual para todos. Ele relembra ainda a importância da transformação cultural dos membros.
Freud sugere que as guerras somente serão evitadas com certeza, se a humanidade se unir para estabelecer uma autoridade central a que lhe será conferido o direito de arbitrar todos os conflitos. Atualmente, depois da Liga das Nações temos a OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte. E o problema continua o mesmo, o que transparece na Guerra entre a Rússia e a Ucrânia.
Freud se pauta na Pulsão de Vida e Pulsão de Morte ao longo do texto, revelando que ambas se encontram estreitamente articuladas, sendo impossível se livrar das pulsões agressivas no homem. E propõe como possível contraponto à Pulsão de Morte, o Amor, destacando a importância da identificação.
Por que o senhor (diz Freud), eu e tantas pessoas nos revoltamos tão violentamente contra a guerra? Penso que a principal razão por que nos rebelamos contra a guerra, é que não podemos fazer outra coisa. Somos pacifistas porque somos obrigados a sê-lo, por motivos orgânicos, básicos. E sendo assim, temos dificuldade em encontrar argumentos que justifiquem nossa atitude.
Freud aprofunda sua posição ao destacar que não é apenas um repúdio intelectual e emocional; nós os pacifistas, temos uma intolerância constitucional à guerra, digamos, uma idiossincrasia exacerbada no mais alto grau. E levanta uma outra questão para a humanidade: quanto tempo teremos que esperar até que o restante da humanidade também se torne pacifista? Não há como dizê-lo.
A pergunta de Freud permanece sem resposta. Depois de 90 anos, Freud e os pacifistas continuam esperando que a guerra não seja o único caminho. Que nós algum dia possamos ter paz.