ATUALIDADES PSICANALÍTICAS
São contribuições de colegas do Campo Freudiano, inéditas em português, refletindo sobre questões candentes da contemporaneidade.
Os textos abordam os acontecimentos a partir da orientação lacaniana e recolhem as elaborações acerca do impacto na clínica, na cultura, na subjetividade.
São contribuições que buscam “alcançar, em seu horizonte, a subjetividade de sua época” (Lacan).
Boa leitura!
2020
Atualidades Psicanalíticas #011
A ‘Fadiga do Zoom’ – Uma Nova Forma De Cansaço
por José R. Ubieto
O isolamento nos trouxe uma forma nova e paradoxal de fadiga: a fadiga das vídeo-chamadas. Paradoxal porque, apesar de agora os corpos não circularem pelos corredores do metrô, pelas ruas lotadas ou nos engarrafamentos sem fim, eles terminam o dia, contudo, mais exaustos do que antes.
9 DE DEZEMBRO DE 2020
—Atualidades Psicanalíticas #010
Intervir
por Virginie Leblanc
Dizer algo sobre sua prática, avançar com o significante psicanalítico é se expor ao florilégio do discurso atual destacado acima. O real do século, o real do mal-estar da civilização – aquele que Freud se esforçava para mostrar – ainda ressoa na psique individual, mas de uma maneira profundamente diferente.
Podemos todos estar à altura – ao invés de ceder ao modo dominante de discurso – e também responder a isso, sabendo que tal questionamento vai além de Freud – e os dois períodos do ensino de Lacan, até o limite onde uma psicanálise-para-além-do-semblante parece correr o risco de seu próprio desaparecimento?
9 DE DEZEMBRO DE 2020
—Atualidades Psicanalíticas #009
Dizer o indizível
por Hélène Bonnaud
Em uma análise, o sujeito vem para falar sobre o que não funciona, o que o incomoda, o torna obcecado ou angustiado. Algo do seu gozo é opaco para ele. Uma vez que o Sujeito Suposto Saber está instalado, surge um fenômeno na análise: a fala se modifica. Não está mais aberta aos quatro ventos, nem a todo significado e convoca uma nova maneira de se dirigir ao Outro: “a sessão analítica é um espaço em que o significante mantém sua dignidade” [1] nos diz Jacques-Alain Miller. Dizer o indizível só é possível nessa condição.
9 DE DEZEMBRO DE 2020
—Atualidades Psicanalíticas #008
Interpretando a Corrida Presidencial dos EUA como um Sintoma
por Jorge Assef
Em 26 de setembro de 1960, foi realizado o primeiro debate presidencial televisionado da história dos Estados Unidos. Os presidenciáveis eram John F. Kennedy e Richard Nixon. Pela primeira vez na história, os candidatos da maior potência mundial adaptaram sua linguagem aos códigos da televisão para 70 milhões de telespectadores.
A vantagem foi amplamente obtida por um jovem de 43 anos, que havia ensaiado durante dias com consultores especializados em imagem televisiva, tomado banho de sol pela manhã e dormido uma hora antes de ir para o estúdio de TV, vestido com um terno escolhido para se destacar da cenografia do set e da maquiagem que realçava seu rosto de ator de cinema.
9 DE DEZEMBRO DE 2020
—Atualidades Psicanalíticas #007
Memórias de sexo
por Philippe Hellebois
Se Deus existe, ele certamente inventou o sexo para nos atormentar. Mas, o feitiço virou contra o feiticeiro e ele foi o primeiro a ser incomodado: Zeus não fez nada além de lançar um feitiço nos adoráveis mortais, e depois dele, Cristo escolheu ser contemplado por toda a eternidade em um traje muito duvidoso. Sua sexualidade agora está demonstrada, embora ele claramente preferisse evitar a cópula. Lembremo-nos destas palavras de Lacan em Mais, ainda: “Em tudo o que se seguiu aos efeitos do cristianismo, sobretudo na arte […] tudo é exibição do corpo evocando gozo […] mas sem cópula.” (1) E não é por nada, ele especifica, mas porque está fora do lugar, feita apenas de fantasias. Em nenhuma outra religião, essa exclusão do ato sexual foi admitida de maneira tão aberta; a arte que inspira o cristianismo é, portanto, obscena e até perversa, uma vez que o pai está em jogo.
9 DE DEZEMBRO DE 2020
—Atualidades Psicanalíticas #006
As Mãos de Freud*
por Paula Hochman
Existe o real do vírus, um elemento que é ao mesmo tempo perigoso e abstrato, sua natureza é algo desconhecido, intraduzível. Mas reconhecer isso é já ter começado a superar essa abstração. Dar um nome às coisas as organiza em uma forma reconhecível, um mundo palpável em que o sujeito é capaz de fazer cálculos.
9 DE DEZEMBRO DE 2020
—Atualidades Psicanalíticas #005
O Navio e o Cisne
por Gustavo Dessal
Freud estudou os três grandes motivos que causam mal-estar nos seres humanos: a ação da natureza, o seu próprio corpo e o relacionamento com os outros. Hoje é urgente atualizar o primeiro, porque a noção de natureza mudou substancialmente.
A natureza, como reino da vida material que vai desde a partícula subatômica mais elementar até as galáxias mais distantes, não é mais uma totalidade da qual fazemos parte, mas se tornou algo que não existe sem nós porque estamos imersos nela.
9 DE DEZEMBRO DE 2020
—Atualidades Psicanalíticas #004
Mistério e o Canto dos Pássaros
por Anne Edan
“O que é esse vírus, Theo?”
Theo: “É um vírus que faz as crianças irem embora.”
Estas são as palavras de uma criança de três anos e meio que pergunta: “Por que não há crianças na escola?” durante os dias após a emissão da ordem de se proteger em casa.
Theo não disse que o vírus adoece os adultos, nem que assusta os pais e os professores. A criança estava fazendo uma observação subjetiva de sua experiência; desde a chegada do vírus, não havia mais crianças na escola. Theo concluiu que todos haviam voado [they had all taken flight].
9 DE DEZEMBRO DE 2020
—Atualidades Psicanalíticas #003
É fácil ver a segregação em outras culturas e não na sua própria.
por Jorge Assef
“Os Estados Unidos estão pegando fogo”, essa foi uma das manchetes das notícias nesses dias, em diferentes lugares do mundo, para descrever a magnitude e o significado histórico da explosão social que ocorreu após o assassinato de George Floyd na cidade de Minneapolis. O afro-americano foi sufocado por um policial que comprimiu seu pescoço com o joelho por mais de oito minutos.
O trágico acontecimento trouxe para o debate o racismo que ainda existe na América do Norte no século XXI e que é reproduzido em outras sociedades em todo o mundo.
9 DE DEZEMBRO DE 2020
—Atualidades Psicanalíticas #002
Tristeza COVID – O Novo Sofrimento
Por José Ramón Ubieto
Já se passou quase um ano desde que tudo começou. Vivenciamos estranheza, medo e angústia, raiva, amor, solidariedade e pesar. Agora, no início do outono – e sem a luz do verão – a tristeza surge com toda força. Seus sinais são claros: silêncio entre amigos, sem o alvoroço de grupos de WhatsApp ou encontros presenciais; esgotamento e insatisfação com atividades criativas ou profissionais; problemas de sono; inquietação no corpo; e uma sensação íntima de perda de sentido em muitas das coisas que fazemos, não tendo mais um objetivo ou perspectiva claros.
9 DE DEZEMBRO DE 2020
—Atualidades Psicanalíticas #001
Significantes Importam
por Thomas Svolos
Em nosso mundo, o mundo da psicanálise lacaniana, às vezes falamos do declínio do poder ou impacto da ordem simbólica como uma característica marcante de nossa época e ao corolário aumento da importância do imaginário e do real. Essa concepção faz ressoar outras – as observações de Lyotard sobre o declínio das narrativas globalizantes ou o declínio da universalidade (em nome da particularidade ou mesmo da singularidade, como a descrição de Jameson sobre a pós-modernidade, por exemplo); ou a ideia de um declínio do poder dos ideais no âmbito político ou social (substituída por uma sociedade da “decadência”, segundo a análise de Ross Douthat, do lado oposto do espectro ideológico).