Carmen Silvia Cervelatti (CLIPP/ EBP/ AMP)
“É num acidente desse registro e do que nele se realiza, a saber, na foraclusão do Nome-do-Pai no lugar do Outro, e no fracasso da metáfora paterna, que apontamos a falha que confere à psicose sua condição essencial, com a estrutura que a separa da neurose. / Essa formulação, que trazemos aqui como uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose, prossegue sua dialética …” (Lacan, J. De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose. In: Escritos, p. 582. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 1998).
Nessas tão famosas linhas, as palavras acidente, fracasso e falha, sugerem que algo falta na psicose. Trata-se de um déficit?
A foraclusão é o mecanismo da psicose, diferente do recalque que é próprio da neurose; por isso falamos em descontinuidade na clínica estrutural. Trata-se de um acidente no simbólico, no registro do Outro, no inconsciente, que Freud, na carta 52, o localizou enquanto traços de memória, sujeitos a rearranjos. Portanto, caberia uma questão, essa que nomeia o texto de Lacan: a preliminar a toda possibilidade de tratamento da psicose, desde que haveria rearranjos e retranscrições no inconsciente, no dizer de Freud em 1896.
Neste texto, na p. 581 dos Escritos, ele disse que respondeu a essa questão com a sua “concepção da cadeia significante, na medida em que, uma vez inaugurada pela simbolização primordial […] essa cadeia se desenvolve segundo ligações lógicas cuja influência sobre o que há por significar […] se exerce pelos efeitos de significante descritos por nós como metáfora e metonímia”. É com essa ferramenta que Lacan leu o caso de Schreber: estando tal significante inoperante, ao final ele construiu uma metáfora delirante.
O acidente, a ocorrência da falta desse significante que ordenaria a constituição e a existência do sujeito impossibilita a metáfora paterna que substituiria o desejo da mãe e o protegeria da invasão dos fenômenos imaginários advindos do estádio do espelho. O fracasso se dá então na constituição subjetiva pela foraclusão de tal significante, e não de outro qualquer. Por isso, o fundamento da clínica estrutural baseia-se na presença (neurose) ou ausência do significante Nome-do-Pai (psicose).
Avançando em seu ensino, encontramos no Seminário 7 o início de algo novo, desloca o centro da clínica psicanalítica para o real, retomando o das Ding freudiano. No Seminário 10, Lacan propôs seu objeto a enquanto resto irrepresentável, irredutível ao significante, depois pluralizou o Nome-do-Pai, também postulou que não há relação sexual e, em seguida, fez notar que no núcleo do sintoma há um gozo opaco, que é da ordem do real. Isso levou Lacan a repensar a clínica estrutural, dando lugar a uma clínica do singular do parlêtre, a clínica borromeana, a do sinthoma. Nem por isso, e paradoxalmente, prescindiu de categorias clínicas ao orientar-se por um real que não as assimila.