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A FORMAÇÃO DO PSICANALISTA

Marizilda Paulino (CLIPP/EBP/AMP)

A formação do psicanalista é um tema presente desde o início da psicanálise, e trata-se de importante e complexa questão. O objetivo deste texto é levantar alguns pontos de reflexão sobre um possível caminho para a formação do analista.

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A questão da formação do psicanalista foi debatida inicialmente nas reuniões informais de quarta-feira na residência de Freud e culminou na fundação da Sociedade Psicanalítica Internacional (IPA), que criou protocolos que formalizaram os requisitos necessários à formação do psicanalista. O tripé clássico foi estabelecido – análise pessoal, estudo teórico e supervisão – mantidos até hoje; porém, as inovações que Lacan introduziu em sua prática clínica, possibilitaram um novo modo de se pensar a formação do psicanalista. Em 1963, Lacan foi excluído da lista dos analistas da IPA, episódio que ele denominou de “excomunhão”, por ter um pensamento diferenciado no tocante à prática clínica e às proposições teóricas.

Na “Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola”, Lacan deixou claro que os analistas não são treinados ou ensinados por outros psicanalistas; são formados por suas próprias análises. Para ele, a única forma possível de o analisante tornar-se analista seria através de sua análise pessoal. É a experiência pessoal de análise que dá ao analista condição de escuta e convicção sobre a eficácia dos processos inconscientes.

Ou seja, não é o desejo (consciente) de ser psicanalista que torna alguém psicanalista e, sim, o desejo de analista que poderá ser causado no decorrer da experiência analítica, e que propiciará a sustentação do analista em seu lugar de causa de desejo. Trata-se da formação de um desejo com uma ética própria, a ética da psicanálise – não ceder de seu desejo.

Para isso, o analisante precisa despojar-se de sua condição de sujeito, a que se tem quando se entra em análise, para servir de causa de desejo para o analisando. Passar da posição de sujeito para a de objeto causa de desejo. Estamos no terreno da destituição subjetiva que leva à queda dos significantes que representavam o sujeito, ao desvanecimento do Outro e à revelação de sua falta e inconsistência [(S(A/)].

A travessia da fantasia (fantasma) associa-se à destituição subjetiva na medida em que a posição do sujeito na fantasia é definida pelos significantes que o representavam.

Se a fantasia é aquilo que define a relação do sujeito com o objeto a, causa de desejo, condensador de gozo, se é o modo singular de responder ao desejo do Outro, a travessia da fantasia deverá implicar um novo modo do sujeito de se relacionar com o objeto, renunciando à ilusão de que sua fantasia lhe fornece o complemento de seu ser.

No Seminário XVII, Lacan nos apresenta a teoria dos discursos e, dentre eles, enfatizamos o discurso analítico – o analisante tem uma experiência discursiva dentro da análise – que, diferentemente do discurso do mestre (que “tudo sabe”), se pauta por um despertar (causar) um desejo de saber.

Estamos falando da importância incontestável da experiência de análise pessoal para a formação do psicanalista. E qual o destino da transferência desenvolvida durante a experiência analítica no final de análise?

Aqui torna-se necessária a introdução do conceito de Escola de Lacan onde a transmissão é feita sob a transferência.

A transferência desenvolvida na análise particular de um sujeito pode levar o analisante a tornar-se um analista. Os restos dessa transferência devem ser dirigidos à Escola de Lacan, agora transformada em transferência de trabalho, desejo de saber.

Isso nos remete à noção de uma formação permanente do analista – do início da análise pessoal até o seu final. Estamos no terreno de uma formação interminável e que se dá particularmente com os trabalhos dirigidos à Escola, pela transmissão da psicanálise nos meios psicanalíticos, ao levar a psicanálise para o espaço público, por sua prática clínica.

Importante, e necessário, é assinalar a invenção de Lacan sobre o passe na Escola, um dispositivo inédito que se propõe a interrogar a análise do analista para atestar que esse chegou ao final de sua análise, possibilitando, assim, a passagem de analisante à analista, ao verificar o surgimento do desejo de analista. O dispositivo do passe traz à tona um testemunho sobre o real em jogo na formação do analista.

Podemos dizer que, basicamente, na formação de um analista é necessário o despertar de um desejo com uma ética própria, a ética da psicanálise – de não ceder de seu desejo – desejo de psicanalista/desejo de psicanalisar. A experiência de cada um com a sua própria fala, com a castração e a formação de seu desejo de psicanalista compõem uma trajetória ética.

Cada um é responsável por sua formação – o psicanalista só se autoriza por si mesmo… e por alguns outros, como diz Lacan no Seminário XXI, Les non-dupes errent.

Termino esse breve relato com uma citação de Jacques-Alain Miller:

Ao qualificar a formação do psicanalista como infinita, queremos dizer que tal formação é, por si só, sem fim. Não se trata de um percurso incompleto, mas de um percurso que estruturalmente não comporta a ideia de fechamento, por acolher o impossível que o habita. E é por privilegiar esta dimensão de abertura, de acolhimento ao novo e ao real da experiência analítica que a formação do psicanalista é permanente.”

Bibliografia

Lacan, J. Ato de fundação. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.

______. Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.

______. Carta de dissolução. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.

Miller, J-A. A formação do analista. In: Opção Lacaniana, Revista Brasileira Internacional de Psicanálise, n. 37. São Paulo, setembro de 2003.

Zbrun, M. A formação do analista de Freud a Lacan. Petrópolis: KBR Editora Digital Ltda, 2014.