Katia Ribeiro Nadeau
O rapaz, de 13 anos, apresentava uma angústia avassaladora acompanhada de gritos, agitação motora, tiques nervosos, pavor generalizado, seguidos de apelos religiosos e péssimo desempenho escolar.
O paciente relata que desde criança tinha episódios de um tipo de alergia a leite e qualquer derivado que levava ao fechamento da glote e risco de morte. Diz que por várias vezes “quase”morreu. Na escola, dos 8 aos 12 anos, sofreu buling, tapas, socos, xingamentos: “seu gordo, esquisito, veadinho”.
O impacto de uma cirurgia plástica desenlaça o RSI; surge a angústia, o gozo à deriva a partir do corte que retira pedaços do corpo para tentar subtrair esses indícios de feiúra, mamas e orelhas de abano: “eu era muito feio”, dizia e mostrava fotos à analista.
No começo se colocava sempre a uma distância segura do corpo da analista. Foi aos poucos podendo falar e articular suas questões com os pais, com os amigos e com seu corpo.
Como todo adolescente, gosta de imagens, fotos,filmes, jogos. Foi mostrando em imagens o que não conseguia dizer em palavras. Jogos interativos de guerra, vídeos com conteúdos sexuais disfarçados e misturados com um toque cômico ou trágico repletos de palavrões, vídeos da Inês Brasil.
Ao associar livremente sobre a palavra medo, surge um DESGADEIADO, um louco morador de rua: “ele encarava e dizia: “corno, veado”, ”parecia que ele tinha relação com essas palavras”. Depois fala sobre o “olho da fera”, mostrando os olhos de lobisomem, demônios e uma imagem em um vídeo sobre o universo, a explosão e uma LUZ que lhe paralisou o corpo. Ao tentar dizer, se defende pela via do humor: muito inteligente se desvia com habilidade dos conteúdos sexuais e sua relação com o próprio corpo, o corpo do Outro e essa angústia indizível.
Iniciou a análise e, por conta própria, uma dieta. Queria construir um corpo diferente do que tinha, o que localizo como desejo próprio. Emagreceu, cresceu e com esse novo arranjo segue mais satisfeito.
Lacan, no seminário 10, retoma a frase de Freud “a anatomia é o destino”. Uma vez que o significante opera como função de corte, isto significa que, para Lacan, mais do que a percepção dos genitais, como era proposto por Freud, na castração se trata da função de corte que o significante introduz.
[…] o destino, isto é, a relação do homem com essa função chamada desejo, só adquire toda sua animação na medida em que é concebível o despedaçamento do próprio corpo. […] a esse corte o chamamos impropriamente de castração […] Nesse nível o Outro está evidentemente implicado. Se não houvesse Outro, não haveria castração.Se anatomia é o destino, isso nos permite pensar sobre a relação do corpo com a linguagem. O destino é o desejo, via que se abre ao parletre que consentiu submeter-se à castração. Essa realidade é determinada pelos significantes do discurso do Outro que se impõe como um real para o sujeito.
Atualmente, a cada semana, novos sintomas no corpo vêm nos orientar para sua tentativa de localização da angústia, signo do real.
Como situar a angústia quando não se trata do engano significante, mas da certeza do único afeto que não se engana?
A angústia, na fantasia neurótica, surge ligada ao desejo do Outro e difere da angústia como sinal do real.
Desagustiar foi possível fazendo a angústia passar pela palavra, transformando-a em angústia constituinte, angústia como operador que permite transformar GOZO em OBJETO, produz o objeto a como objeto nada, sem com isso nomear o insignificantizável.
Miller diz que a angústia se situa em lugar diferente do medo em nosso corpo, sendo o sentimento que surge da suspeita que vem de nos reduzir a nosso corpo e que tanto o gozo fálico está fora do corpo, quanto o gozo do Outro está fora da linguagem.
Bibliografia
Lacan, J. Seminário 10, A angústia, RJ, JZE p.259/260
Laurent, E. “Desangustiar”? Mental 13 , 2003, p.21-23
Miller, J.A, “Angústia constituída e Angústia constituinte”, em intervenção Jornadas de Paris 2005