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LACANIANO ESTUDANDO LÓGICA?

Fonte: Sarah Sze Timelapse @guggenheim

Bernadette S. de S. Pitteri (EBP/AMP/CLIPP)

Diante das dificuldades com a lógica explorada por Lacan, observadas na transmissão do Seminário 14 – A Lógica do Fantasma [1] na  Seção São Paulo da EBP, numa conversa com Sandra Grostein, surgiu a proposta de uma “Oficina de Lógica” na CLIPP, no intuito de acompanhar os desenvolvimentos lógicos empreendidos por Lacan, visando o dito Seminário, num primeiro momento.

Ao dizer que,

“se existe uma lógica do fantasma, é porque ela é mais fundamental que qualquer lógica que aflui nos cortejos formalizadores em que ela se revelou tão fecunda na época moderna” [2],

Lacan deixa claro que, ao propor o desenvolvimento de uma lógica fundamental para a psicanálise (que é a lógica do fantasma), pretende fazer uso dos avanços empreendidos pela lógica na época moderna.

Faz-se necessário à “formação” continuada daquele que se pretende analista, percorrer as formalizações que a lógica vem oferecendo no decorrer da civilização, enquanto instrumental para suporte do raciocínio (esta é uma das postulações da lógica), visando alcançar a proposta de Lacan de uma “lógica do fantasma”, de uma formalização do fantasma em psicanálise. Lembrando que, “instrumento”, em grego antigo é Organon, e não por acaso é o que nomeia o conjunto de livros de Lógica produzidos por Aristóteles que chegaram até nós, pois este considerava a lógica como instrumento para, e não como filosofia.

Em O Aturdito [3] Lacan lembra que

“… é pela lógica que esse discurso (discurso psicanalítico) toca no real, ao reencontrá-lo como impossível, donde é esse discurso que a eleva a sua potência extrema: ciência, disse eu, do real”.[4]

Nesse texto de 1973, a lógica é apresentada como ciência do real, sendo que o Seminário 14 de 1966/1967 (publicado em 2023 na França e 2024 no Brasil), já apresentava conceitos lógicos tradicionais e modernos, explorados e revirados, na tentativa de refundar a lógica, de chegar a uma lógica que teorizasse o inconsciente tal como Lacan propõe, “estruturado como uma linguagem”.

E qual é a linguagem do inconsciente? É a linguagem do significante, e é ao redor do significante que a “Lógica Lacaniana” vai se desenvolvendo, a partir da afirmação de que a estrutura do fantasma se relaciona com “a estrutura do significante como tal” [5] e que “é da natureza de todo significante não poder, em nenhum caso, significar a si mesmo” [6].

A Oficina de Lógica, em primeiro lugar, com a introdução e estudo das vertentes lógicas utilizadas por Lacan, objetiva instrumentalizar seus participantes para uma reflexão lógico-filosófica e psicanalítica, a partir da leitura aprofundada dos textos lacanianos que envolvem diretamente questões lógicas. Estas leituras deverão ocorrer sob o modo de “Disciplina do Comentário” [7], prática que envolve a leitura sistemática e metódica de textos. A disciplina do comentário busca desenvolver a capacidade de direcionar os pensamentos, comportamentos e ações para atingir o objetivo buscado, que é o estudo aprofundado de determinado texto.

Lacan, citando os estoicos diz que

“se tratava para eles, da lógica no sentido próprio em que a situamos aqui, a saber, quando seu fundamento não deve ser tomado em nenhum outro lugar, além da articulação da linguagem, na cadeia significante” [8].

Trata-se para Lacan então propriamente, da lógica do significante, o que estou nomeando como “Lógica Lacaniana”.

A ideia é que as reflexões, numa atitude ética e crítica, tragam condições para transferência de conceitos da lógica tradicional e moderna para a aplicação na lógica da psicanálise proposta por Lacan.

Como objetivos secundários, mas não menos importantes, visamos impulsionar a produção de textos sobre as discussões realizadas durante as reuniões, além da reflexão sobre o impacto da “Lógica Lacaniana” na prática analítica.

Formamos inicialmente um grupo com quatro pessoas com formação filosófica e mais duas de diferentes formações, mas com interesse em lógica, visando evitar o congelamento de ideias.

No semestre passado, reunidos apenas os participantes, fizemos estudos aprofundados de lógica tomando como base o Seminário 14 de Jacques Lacan – A Lógica do Fantasma – objetivando a transmissão do resultado destes estudos aos associados e frequentadores da CLIPP interessados no tema.

Os participantes inicialmente são: Maria Bernadette Soares de Sant´Ana Pitteri (coordenadora); Erinson Cardoso Otênio, Fernando dos Santos Andrade, Daniel Gomes Batelli, João Paulo Desconsi, Magno Azevedo.

As reuniões quinzenais, às quartas-feiras das 10 as 11h30, inicialmente ocorriam apenas com a presença dos participantes; estendemos, a partir deste semestre, uma reunião mensal com os interessados no tema, na qual serão discutidos os avanços feitos nas discussões encetadas na oficina.

Este é o programa inicial, que sofrerá modificações de acordo com o andamento dos estudos.


[1] LACAN, Jacques. O Seminário, Livro 14: A Lógica do Fantasma. Rio de Janeiro: Zahar, 2024.
[2] Idem, Ibidem, p. 56)
[3] LACAN, Jacques. O Aturdito. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003 – p 449.
[4] Idem, Ibidem, p. 449).
[5] LACAN, Jacques. O Seminário, Livro 14: A Lógica do Fantasma. Rio de Janeiro: Zahar, 2024, p. 12.
[6] Idem, Ibidem, p. 25.
[7] A palavra “disciplina” é de origem latina, cujo significado original é aprender.
[8] LACAN, Jacques. O Seminário, Livro 14: A Lógica do Fantasma. Rio de Janeiro: Zahar, 2024, p. 56.
 NOTA: Este texto foi elaborado a partir das discussões empreendidas Na Seção Clínica da CLIPP.