Scroll to top
  • Tel.: (11) 3864.7023

Coronavírus e o Furo no Grande Outro

por Thomas Svolos

Essa pandemia nos atingiu e, ao contrário de epidemias e pandemias anteriores, nós – cientistas, médicos, público em geral – não sabemos muito sobre ela. O agente infeccioso é novo, novo para a ciência, além de ser uma nova infecção em humanos. Obviamente, os cientistas estão agindo rápido para aprender sobre o organismo, e os especialistas em doenças infecciosas estão agindo rápido para aprender como tratá-lo, e autoridades em saúde pública estão tentando desenvolver meios de prevenir ou minimizar a propagação do organismo, mas dito tudo isso – no momento, simplesmente não sabemos muita coisa.

Então, somos confrontados com uma grande falta no Outro. E os seres falantes têm dificuldade em tolerar esse tipo de falta de saber, esse vazio. Assim, como acontece em tantas outras situações, as pessoas preenchem esse furo com alguma coisa, geralmente a mesma coisa que define como elas se relacionam no mundo. Na comunidade psicanalítica, chamamos isso de fantasia, e vemos essas fantasias, essas opiniões, essas perspectivas sobre o que está acontecendo assumirem tantas formas diferentes. Para alguns, esse é um evento catastrófico, um evento apocalíptico, levando a um grande medo do desconhecido. Para outros, sentindo-se imunes a qualquer possível impacto do Outro neles, isso não é grande coisa, algo que passará, nada para se preocupar.

E, então, existem aqueles agentes imaginários de um tipo ou de outro como um ator por trás do que está acontecendo. Essas perspectivas individuais sobre o que está acontecendo costumam dizer mais sobre a pessoa que as tem, obviamente, do que a situação que ela mesma está descrevendo. E então, com relação à questão do que fazer em resposta a esse problema, vemos uma gama de abordagens parecidas. Em alguns casos, as pessoas decidem não fazer nada, nada mudar em suas vidas, em resposta à pandemia.

Outros acham que vão passar por isso, aceitando a infecção como uma necessidade ou destino que enfrentarão. Então, outros tomam medidas. Alguns, obviamente, seguem as recomendações de saúde pública que são dadas. Outros agem imediatamente, estocando suprimentos de comida, água (sem razão para isso) e utensílios domésticos. Ainda assim, outros tomam precauções incomuns ou seguem os conselhos de pessoas sem respaldo científico, que vendem uma cura ou outra, e podem ser encontradas em toda a Internet agora.

Vemos também que, do ponto de vista social, diante de um declínio no lugar da autoridade no grande Outro evidenciado, nos Estados Unidos, pela falta de confiança no governo (e pela intensa divisão na política americana hoje), que as autoridades nacionais que deveriam conduzir a resposta têm dificuldades para agir. Isso leva municípios, empresas, sistemas de saúde e universidades a organizarem a resposta em níveis mais locais. Nessas situações, algumas instituições públicas e privadas fazem o que deve ser feito diante de uma pandemia, que consiste em contar com o conhecimento da saúde pública e doenças infecciosas para orientar a resposta no nível social. Pois, embora muita coisa seja desconhecida agora, as comunidades científicas e médicas têm habilidades impressionantes para se reunir e desenvolver ações coordenadas a eventos como esse.

Enquanto isso, podemos observar um florescimento de medos pessoais, ansiedades ou exuberâncias irracionais e um amplo leque de opções de ação, à medida que as pessoas lutam para prestar atenção nessa pandemia.

Se a psicanálise tem algo a oferecer aqui, é reconhecer – no processo de revelação que ocorre na experiência analítica – o devido lugar da falta no Outro e a natureza pessoal das fantasias que fazemos para encobri-la, para que as pessoas possam abordar com sobriedade os aspectos desconhecidos e inefáveis da experiência humana.

Traduzido por J Wilson R. Braga Jr.

Texto publicado na Lacanian Review Online em14/03/2020 no link abaixo:
http://www.thelacanianreviews.com/coronavirus-and-the-hole-in-the-big-other/