Rodrigo Camargo (CLIPP)
Proposer aux gens de les aider signifie un succès assuré, et la clientèle se bousculant à la porte. La psychanalyse, c’est autre chose. (Jacques Lacan)
O que é a psicanálise? Afinal, o que faz um psicanalista? Numa certa altura lancei para o cartel essas questões antes de uma das nossas últimas reuniões. Contornado certo desconforto, fomos em direção ao que tais perguntas se dirigiam ao nosso mote, a saber: o avesso do inconsciente.
Logo vimos que seria importante retomar na reta final de nossos encontros o fio inicial em torno do Seminário 17 – O avesso da psicanálise. Sim, nossa rubrica sempre foi em torno dessa noção do AVESSO.
Sua topologia nos lançou na teoria dos quatro discursos de Lacan. Sabíamos desde o princípio que o discurso analítico seria o avesso do discurso do inconsciente.
Em seguida, retomando minha provocação, chegamos naquela reunião no começo de tudo. Freud e a descoberta do inconsciente passaram pela hipnose, a teoria da sedução, a interpretação como sugestão, o procedimento catártico, enfim, são os primórdios da associação-livre e do método psicanalítico.
Isso faz jus ao que está sobremaneira no princípio do ensino de Lacan, como bem nos mostrou Jacques-Alain Miller.1
Antes de 1953 com Função e Campo da Fala e da Linguagem em Psicanálise e seu relatório de Roma, ou naquele ano mesmo, inclusive, com sua conferência sobre O simbólico, o imaginário e o real, Lacan teria bebido da fonte da antropologia estrutural de seu amigo Claude Lévi-Strauss em seu famigerado texto A eficácia simbólica.
Pois então, a questão que se impôs entre nós cartelizantes a partir dali foi: em psicanálise, ou melhor, na experiência de uma análise, trata-se simplesmente de encontrar uma eficácia simbólica em tal dispositivo clínico com o qual trabalhamos?
O ritual de cura xamânica descrito por Lévi-Strauss, numa analogia entre os dois métodos, no que se verifica na iminente dificuldade de uma mulher na hora do parto, nessa “propriedade indutora” de eficácia simbólica, nos aponta enquanto seres falantes sobre qual o real alcance em jogo nas noções de mito e de inconsciente, numa espécie de tensão inerente entre posição, lugar e espaço na estrutura e constituição da clínica psicanalítica.
O título desse trabalho se justificaria por essa justaposição entre a figura do xamã e a do psicanalista colocada em cena desde os idos de 1949 por Lévi-Strauss – ali e em outros textos – o que traz inclusive Lacan para mais perto de nossa realidade nacional.
“O psicanalista escuta e o xamã fala”. Para Lévi-Strauss, em consonância com Lacan, e vice-versa, a cura xamânica equivale à cura psicanalítica, “mas com a inversão de todos os termos. Ambas buscam provocar uma experiência, e ambas conseguem fazê-lo reconstituindo um mito que o paciente deve viver, ou reviver. Contudo, num caso, é um mito individual que o paciente constrói com elementos tirados de seu passado e, no outro, é um mito social que o paciente recebe do exterior e que não corresponde a um estado pessoal antigo.”2
Vejamos, no título dado aqui se apregoa de cara uma certa “ineficácia simbólica” em questão. Afirmar algo sobre a eficácia simbólica da psicanálise pode remeter, simplesmente, a uma profissão de fé.
A partir de Lacan, enquanto leitor contumaz de Freud, nos orientamos a pensar sobre uma nova perspectiva do fracasso, ou se utilizarmos dessa referência de Lévi-Strauss, estaríamos talvez falando propriamente de uma determinada ineficácia simbólica, ou seja, o real como impossível, figura do irreconciliável entre representação, palavras e coisas.
Tal ponto nos mostra que o tal avesso da psicanálise se encontra no discurso do mestre, como se sabe, a própria estrutura do discurso do inconsciente freudiano. Em seu ensino, Lacan já enfatizava essa diferença na segunda aula do Seminário 11 com a expressão “o inconsciente freudiano e o nosso”.
Assim sendo, em poucas palavras, o desejo de Freud não significa a mesma coisa do que Lacan formulou enquanto desejo do psicanalista, apontado no fim desse Seminário dobradiça em seu ensino: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise.
Há um avesso de Freud e este se mostra na seguinte citação que se encontra no penúltimo texto dos Escritos, Do “Trieb” de Freud, exatamente anterior de A ciência e a verdade onde Lacan elencou quatro índices refratários à questão da verdade – e protótipos posteriormente dos quatro discursos do Seminário 17 – a magia, a religião, a ciência e a própria psicanálise.
Então, qual é a finalidade da análise, para-além da terapêutica? Impossível não a distinguir desta quando se trata de produzir um analista.
Pois, como dissemos sem entrar na mola da transferência, é o desejo do analista que, em última instância, opera na psicanálise.3
O ponto interessante do qual não se concluiu nada ainda é que Lacan turbilhona sua teoria dos discursos – em sua conferência de Milão, 1972 – com o advento do discurso capitalista. Contudo, por fim nos perguntamos: o que pode fazer obstáculo ao desejo do psicanalista? Até onde vai o discurso analítico? Volto aqui ao começo com a pergunta agora dirigida a vocês: o que faz um psicanalista?
Para terminar, deixo uma célebre crítica de Lacan aos psicanalistas quando afirmou o seguinte no seu Seminário 7, a ética da psicanálise:
“Digamos que não há razão alguma para fazermos o papel de fiadores do devaneio burguês.”4 (tradução nossa)
*Cartel – O avesso do inconsciente
1 LACAN, J. Nomes-do-Pai. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2005. Ver no final as indicações bibliográficas organizadas por Jacques-Alain Miller, p. 89-91.
2 LÉVI-STRAUSS, C. “A eficácia simbólica”. Antropologia estrutural. São Paulo: Cosac Naify, 2012, p. 284.
3 LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998, p. 868.
4 LACAN, Jacques. O Seminário, livro 7, a ética da psicanálise (1959-1960). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1986, p. 364. No original: Disons qu’il n’y a aucune raison que nous nous fassions les garants de la rêverie bourgeoise.