Rodrigo Camargo (Clipp)
Em primeiro lugar, podemos dizer que um psicanalista é responsável em sua prática pelo que quis dizer e também pelo que não quis dizer, mas que, no entanto, foi escutado.
Assim, a responsabilidade do psicanalista a respeito de sua palavra é radical. Isso quer dizer o seguinte: um psicanalista não só tem que responder pelo que diz, mas também pelo que dá a entender. E o que dá a entender lhe cabe calculá-lo.
Pode-se dizer que isso é o que define o psicanalista: calcula o que dá a entender no que diz. Isso é o que pode ser chamado em alguma medida de interpretação. Eis a porta de entrada utilizada por Jacques-Alain Miller em seu curso O parceiro-sintoma (2008 [1997-98]), ainda inédito em português.
Para adentrar no sintagma como está inscrito na sua versão em espanhol El partenaire-síntoma, publicado na Argentina em 2020 pela editora Paidós, vamos assumir aqui o que o próprio Miller nos diz sobre sua Teoria do parceiro.
Segundo Miller, um parceiro é aquele com quem jogamos uma partida. Em inglês dizemos partner. Foi um termo importado pelos franceses na segunda metade do século 18: partenaire. Designa um elemento do todo: colega, amigo, sócio, associado, amante, adversário, dupla, casal, partilha, parte interessada numa partida.
Doravante, o sujeito lacaniano está interessado numa partida e isso seria impensável sem um parceiro. Afinal, a experiência da análise não é senão uma partida, uma partida inconsciente jogada com um parceiro.
Para Miller, o primeiro parceiro inventado por Lacan foi a imagem. Na partida jogada no estádio do espelho o parceiro essencial é sua própria imagem. No entanto, é dessa prematuração específica do nascimento descrita nessa partida imaginária do narcisismo (Cf. Escritos, p. 100) que Lacan teria inventado um outro parceiro, esse mais abstrato, introduzindo o parceiro simbólico.
Quem seria então o parceiro fundamental do sujeito? Em 1953, no início de seu ensino, no famoso Relatório de Roma, Lacan postulava que era “um outro sujeito”, ainda numa concepção dialética intersubjetiva da experiência analítica.
Finalmente, Miller conclui essa série de parcerias subjetivas com o que chamou de “parceiro-sintoma”. Podemos dizer assim que o sujeito, enquanto tal, é incompleto e necessita de um parceiro. Mas até que ponto ele necessita de um parceiro?
Eis por onde o parceiro assume seu estatuto de sintoma, escrito por Miller com um traço de união entre parceiro e sintoma: parceiro-sintoma.
O parceiro é o sintoma. Essa é a tese deste seu curso. Essa é a teoria do parceiro. O sintoma se inscreve no lugar do que se apresenta como falha. Por essa orientação em que “não há ser humano que não tenha sintoma”, Miller nos pergunta: afinal, o que é ser lacaniano?
Quando você encontra um psicanalista e, porventura, entra em análise, no fundo você encontra um parceiro. Trata-se ali de jogar uma nova partida no campo lacaniano, isto é, o campo do gozo, já que não nos acertamos com ele frente aos parceiros da vida.
Fazer análise é, portanto, elucidar o modo pelo qual o inconsciente interpretou o enigma da não-relação-sexual, ou seja, fazer análise permitiria encontrar uma melhor maneira de fazer com ele, o sintoma. O que há por trás dessa aposta, o que há de mais real ali, parte disso que é da ordem de uma estranha união sintomática.
O sintoma é algo que claudica e, normalmente, tendemos a considerá-lo como uma disfunção. O sintoma deste modo considerado torna-se quase uma segunda natureza e o perigo seria concluir que é assim que as coisas funcionam. Mas não é bem assim. Há sintomas que estão na moda e, por outro lado, há sintomas que já saíram de moda.
Na verdade, o sintoma é bifacial, constituído de duas partes. Uma das faces é pulsional, contendo um núcleo de gozo, mergulhado em suas raízes no corpo próprio. A outra face é seu envelope formal, por meio do qual depende do campo do Outro.
No final, podemos dizer que pela via do gozo os sujeitos se tornam solitários. Essa é a perspectiva do parceiro-sintoma. Tanto no fantasma como no sintoma estamos num ponto de vista, segundo Lacan, onde o sujeito é sempre feliz.
O parceiro então nessa história estaria suscetível, essencialmente, se ele está ligado ao sujeito, de encarnar o seu sintoma. Assim, o verdadeiro fundamento de um casal acaba sendo sempre sintomático. O sujeito doravante se casa com seu sintoma.
Para Lacan, a fantasia é o que constitui o casal fundamental do sujeito. Na doutrina clássica, Lacan chamou o fim de análise como travessia da fantasia. O fim da análise não é deixar de ter sintoma. Se poderia dizer com isso que após a travessia da fantasia encontra-se um saber-fazer com o sintoma.
Não é simplesmente um saber, pois não estamos no âmbito da teoria, aqui não estamos verdadeiramente no saber. Trata-se na verdade de um saber se virar com o sintoma, ou seja, é o nível do uso que encontramos o que é essencial. A única coisa necessária para haver uma língua é que a palavra tenha um uso. A palavra é determinada pelo uso que é feito dela.
O sintoma não é somente uma disfunção decifrável pela palavra e pela substituição significante. Não basta decifrar o sintoma. No mundo onde agora o Outro não existe se introduz uma perspectiva original de um final de análise.
No último Lacan sempre se goza do sintoma, mesmo que isso seja perturbador para o sujeito. O gozo se apresenta como sintoma que se torna o mais-um na tríade dos registros do real, do simbólico e do imaginário.
Trata-se do quarto elemento que enoda os três, R, S e I de modo borromeano frente à falta de amarração desse ternário fundamental que constitui os seres falantes. Desta maneira, as diferentes estruturas clínicas – neurose, psicose e perversão – nos mostram o funcionamento do sintoma enquanto tal.
A invenção do parceiro-sintoma de Miller, portanto, é uma maneira de situar o parceiro em termos de gozo, afinal, o que se põe como termo da relação que não há.

