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Considerações acerca do tratamento de crianças

Mariana Bacigalupo Martins

O trabalho com crianças exige um manejo a mais daquele que acontece com os adultos, pois antes de iniciar o atendimento da criança, se faz necessário escutar o pedido dos pais ou responsáveis.

Nestes primeiros encontros o objetivo é compreender mais detalhadamente o que os pais procuram com o atendimento da criança. Essa etapa do atendimento é importante, pois pode esclarecer os impasses, limites e até mesmo ajudar a fazer um prognóstico do caso.

O que acontece muitas vezes é que os pais ou responsáveis enxergam problemas nas crianças que dizem respeito aos seus próprios impasses ou uma dificuldade que é própria do casal. Isso pode acontecer, pois estes cuidadores podem não ter tido a oportunidade de elaborar os impasses que lhe são próprios ou ainda, seria o próprio conflito inconsciente que mantém o casal unido. Quando isso acontece, é como se a criança fosse o “porta-voz” desse impasse que ainda não pôde ser formulado.

Para Costa (2009) escutar os pais não significa escutar a história contada como uma anamnese da criança, mas ouvir o discurso dos pais que é a história da criança, história que a precedeu inclusive antes de nascer e que aponta para o lugar que ela ocupa no desejo deles e que tem efeitos sobre ela.

Contudo, saber que os sintomas que as crianças apresentam têm uma relação estreita com o desejo inconsciente de seus pais, com a subjetividade materna ou, de eventuais cuidadores não inviabiliza o atendimento delas, pois clínico deve estar apto a localizar na fala e nos jogos que a criança realiza nas sessões, o seu sofrimento e como este se articula à queixa que os pais trazem. Assim, mesmo que em alguns casos os sintomas da criança sejam o resultado da fala e da ação destes cuidadores, isto não impede um trabalho analítico para que a criança possa se localizar nessa configuração e possa experimentar uma forma de ser mais autônoma frente aos conflitos e ao lugar que lhe foi endereçado no desejo de seus cuidadores.

Então, desde o início das entrevistas com os adultos responsáveis, é preciso localizar o que está motivando o pedido de ajuda para traçar um planejamento do tratamento e uma Hipótese diagnóstica. Gueller (2012) localiza quatro situações distintas:

1- quando o sintoma da criança é a verdade “velada” do casal e a terapia produz um deciframento para a criança e, portanto um alívio dos sintomas. A criança elabora uma situação, faz perguntas e constrói uma resposta junto com o clínico a respeito daquilo que ela percebe e escuta de seus pais e que tem efeitos sobre ela.

2- quando o filho não responde mais ao ideal dos pais e os pais vêm pedindo que o terapeuta restabeleça esse ideal: “Meu filho está terrível, não sei mais o que fazer!” Nesse caso o analista ocupa uma função mais materna acolhendo a angústia dos pais e ajudando a colocar palavras que organizem o ambiente caótico. Com a criança o terapeuta deve escutar o seu temor de perder o vínculo parental o que mantém esse comportamento inadequado que busca chamar a atenção para si.

3- verdadeiramente não se quer tratar nada, mas o pedido de atendimento da criança visa referendar um dos pais e denegrir o outro. O risco nesse caso é de que se o terapeuta recusa esse pedido, será reprovado em suas qualificações. Se aceita pode tornar-se inútil por não conseguir responder à estratégia inconsciente que é desvalorizar o outro cônjuge.

4- os pais trazem a criança a pedido de terceiros e por isso não tem uma expectativa a respeito do tratamento. Então, o tratamento pode cair numa inércia.
Nesse caso a criança é quase órfã e a instituição ou outros profissionais ocupam o lugar parental. Por isso, muitas vezes, é preciso orientar os pais para os cuidados básicos com a saúde mental de seu filho tentado fazê-los pensar sobre a posição adotada com relação à criança e durante os atendimentos, interpretar de modo a abrir o desejo por essa criança sem que com isso, se direcione os pais para um padrão idealizado socialmente, mas visando intervenções que possam abrir para o desejo.

Outra característica do trabalho com crianças é que para escutar suas questões e acompanhá-las em suas construções, o clínico deve saber interpretar a partir do uso que elas fazem dos brinquedos e sobretudo perceber qual é o lugar transferencial que ele ocupa durante o tratamento.

É muito comum durante o tratamento que a criança coloque o clínico na mesma posição que a dos pais, isto é, endereça para ele o mesmo pedido que faz aos pais a fim de que eles resolvam seus impasses. Contudo cabe ao clínico ouvir este pedido e não se apressar em respondê-lo, pois é a partir deste pedido que a criança poderá desenvolver uma pergunta sobre o que se passa com ela e construir uma nova resposta, menos problemática e mais autônoma, frente aos seus impasses.

Costa (2009, p.99) cita o livro Psicanalisar crianças: que desejo é esse? Em que a autora Leda Bernardino afirma que quando o clínico responde diferentemente aos seus pedidos e demandas de cura, essa nova forma de resposta abre a possibilidade para criança localizar seu desejo como podendo ser diferente do que interpretou do discurso de seus cuidadores, podendo dessa maneira, ter um pouco mais de autonomia frente a este desejo e  ficando mais aliviada de seu sintoma.

Caso o clínico não leve em conta o lugar transferencial que ocupa, corre o risco de responder à problemática da criança tal qual os pais vêm respondendo inviabilizando assim, uma mudança ou melhora do sintoma da criança.

Referencias Bibliográficas
COSTA, Teresinha. O desejo do analista e a clínica psicanalítica com crianças. Psicanálise & Barroco em revista, v.7, n.2, dezembro de 2009, p.86-102.
GUELLER, Adela Stoppel de. Atendimento Psicanalítico de crianças. Revista Mente e Cérebro. Março de 2012, p.49-53.
LAURENT, Eric. Existe um final de análise para crianças. Opção Lacaniana. Abril/Junho 1994, p. 24-33.
SARMENTO, Fátima. A entrada em análise com crianças. Opção Lacaniana. Outubro de 2002, p.38-41.
RIBEIRO, Cynara T. A construção de saber na análise com crianças: um estudo de caso. Revista mal-estar e subjetividade, Fortaleza, v. IX, n.4, dezembro de 2009, p. 1323-1340.