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Ressonância do Colóquio Internacional: Psicanálise e Pessoa

Claudia Aldigueri

O Núcleo de Psicanálise e Toxicomania da CLIPP em parceria com seu convidado psicanalista, Prof. Dr. José Martinho do Antena do Campo Freudiano de Lisboa, dedicaram a manhã de 23/05 à psicanálise e Fernando Pessoa, o poeta. A seguir, ressonâncias desse encontro entre o poeta e a psicanálise.

“Minha alma é doente antes do ópio” marca o excesso de Pessoa e a vida de não abstinência que levou, tanto do álcool como da nicotina. Teria sido ele um psicótico? Pessoa, que se autodiagnosticava, lidava com algo estranho e não conseguia expressar o que sentia, se dizia “louco, mas de uma maneira muito difícil de explicar”.

Até os cinco anos de idade, seu número mágico, ele “era feliz e ninguém estava morto”, mas… tempos de perdas: Pessoa perde o pai, perde a mãe para um novo parceiro, perde a pátria tão amada, perde a mãe para uma penca de irmãos. Em meio às perdas e à angústia que sentia frente ao conflito da partida da mãe para a África do Sul, escreve-lhe seu primeiro poema:

Ó terras de Portugal
Ó terras onde eu nasci
Por muito que goste delas
Ainda gosto mais de ti.

Talvez possamos considerar este poema como uma primeira amarração e contenção da angústia e do sofrimento transbordantes pela escrita. Como em Hamlet, o desejo da mãe o perturbava e à medida que sofria, mais escrevia. Os heterônimos começam a surgir num “Dia triunfal”: dentre eles, Alberto Caeiro parece ter funcionado como um S1 para Pessoa – “meu mestre nasceu em mim”.

Como Hamlet, cujo objeto de amor por algum tempo foi Ophelia, Pessoa, cujo “destino não pertence a nenhuma mulher”, coincidentemente, amou uma Ofélia como a um bebê. Ambos, Hamlet e Pessoa, abriram mão de seu objeto de desejo, do amoar de suas Ofélias. Pessoa parece jamais ter mantido contato físico com quem quer que seja.

Seria a escrita de Pessoa um quarto nó, tanto quanto a escrita enigmática de Joyce o foi para ele? Parece que não, totalmente. Pessoa tenta fazer suplências, porém são nós que falham, que atam e desatam com certa constância. Nós que não foram bem dados, se assim pode-se dizer.  Ao contrário de Joyce, sua obra não foi suficiente para dar conta como sinthome. Pessoa lançou mão de mais um objeto, o álcool, companheiro fiel que gerou a cirrose hepática que o levou à morte.

Fernando Pessoa deixa um legado à humanidade. Se a literatura foi tudo em sua vida e nela ele pôde tudo, certamente sua escrita foi sua invenção singular, mas não deu conta de tudo!

PSICANÁLISE E FERNANDO PESSOA, UM DESASSOSSEGO.
Denise Abreu

“Começo a conhecer-me. Não existo.
Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram,
ou metade desse intervalo, porque também há vida …
Sou isso, enfim …”  Álvaro de Campos

Foi com Álvaro de Campos que ressoou em mim a psicanálise, então Fernando Pessoa foi se tornando um poeta na minha estante e cabeceira.

Adicções e amarrações foi o título que professor Martinho escolheu para nos dizer sobre suas experiencias em estudos sobre Pessoa.
Uma possibilidade de cartel produziu o desejo para realização deste colóquio e passei a ouvir essa transmissão com o desassossego de que me produzisse provocações, quando nos foi dito que Pessôa retirando o acento do nome vindo a ser Pessoa, modificara não somente o nome que viera do pai e passa a ter um novo nome  que funciona como nome do pai. Pessoa reinventa-se com seus heterônimos e também com a escrita.

Considerando que Martinho enfatiza que ao retirar o acento, Pessoa passa a ter um nome desvinculado da família paterna e também da condição de filho de Portugal, ou seja, seu nome agora é do mundo,  isso me remete ao fragmento que está em Desassossego: “Eu não escrevo em português. Escrevo eu mesmo.” – do heterônimo Bernardo Soares.

Penso que o excesso que o retira da temperança e o joga na adicção traz essa onipotência em estar de forma infinita, talvez nos intervalos de seus heterônimos de forma incalculável em um gozo que não se localiza e talvez a tentativa de amarração seria fabricar heterônimos que pudessem dar sentido para que a loucura não viesse a se apoderar de Pessoa, apenas o desassossegar.

O álcool, imagino estar neste intervalo que o desejo não se desenha e fica em desassossego sobre o  que os outros fizeram dele. Retomo um fragmento do texto de Duras: “Viver com o álcool é viver com a morte ao alcance de suas mãos”. Entre morrer e viver surge a necessidade de anestesiar a dor de existir. Frente ao insuportável o sujeito busca naquilo que o consome ou que o mantém sem sonho, um sono infinito e perturbador.

A adicção de Pessoa é então enfatizada por Martinho ao contar uma passagem onde o próprio Pessoa diz sobre sua relação com o álcool referindo-se a uma resposta sobre ser uma esponja com o álcool: “Armazém de esponjas com um anexo ao lado”.

Desta maneira o desassossego esteve presente e se faz ressoar diante de nossas leituras.