André do Nascimento Degi (CLIPP)
É sabido que, durante seu primeiro ensino, Jacques Lacan propõe seu Retorno a Freud à luz da antropologia estrutural de Claude Lévi-Strauss – bem como da linguística de Ferdinand de Saussure e da releitura de Roman Jakobson. No Seminário 4 (1995[1956-57]), em particular, Lacan recorre ao capítulo O Tempo Reencontrado, da obra seminal O Pensamento Selvagem (Lévi-Strauss, 1989), para interpretar a relação de objeto em Freud – ressaltado pela terminologia dos objetos, perdido e reencontrado. O problema para o qual Lacan se volta em Lévi-Strauss, no entanto, é, mais precisamente, o da junção entre a sincronia e a diacronia, mediada por um mito, um ritual ou um objeto.
Em Lacan, trata-se de analisar o que acontece com o sujeito quando a falta, cujo significante é o falo, deixa de se inscrever simbolicamente – isto é, sincronicamente – expondo-o ao real da angústia de castração. O Real irrompe como aquilo que desestrutura o laço entre a sincronia e a diacronia, suspendendo o sujeito em uma disjunção temporal, que é o ponto da angústia de castração.
Em suma, a angústia é correlativa do momento em que o sujeito está suspenso entre um tempo em que ele não sabe mais onde está, em direção a um tempo onde ele será alguma coisa na qual jamais se poderá reencontrar. É isso aí, a angústia (Lacan, 1995[1956-57], p.231).
Assim, o sujeito recorre à fobia e à perversão como formas de proteção contra a angústia:
Se tomarmos a coisa na perspectiva da relação de objeto, o fetiche desempenha, na teoria analítica, uma função de proteção contra a angústia e, coisa curiosa, a mesma angústia, isto é, a angústia de castração (Lacan, 1995[1956-57], p.212).
Ora, se em Lévi-Strauss os objetos churinga desempenham uma função de significação diacrônica dentro de um sistema sincrônico (as chamadas sociedades “frias”), em Lacan os objetos fóbico e fetiche passam a desempenhar uma função de significação sincrônica dentro de um sistema diacrônico (ou sociedades “quentes”).
Contudo, os objetos fóbico e fetiche não inscrevem a falta como dívida na cadeia simbólica, ou seja, não realizam a castração, que assegura a junção da sincronia à diacronia. Em vez disso, o sujeito se protege imaginariamente contra a angústia de castração, tamponando-a de forma precária.
É por isso que a construção de um mito individual representa uma resolução mais adequada para o problema. Enquanto estrutura “sincro-diacrônica”, o mito permite ao sujeito estruturar simbolicamente a falta, como faz o pequeno Hans, embora não consista ainda, na assunção da castração propriamente dita:
O instalador, ou o serralheiro, vem e o aparafusa, depois do que o instalador ou o bombeiro vem e lhe desaparafusar o pênis para recolocar um outro maior.
A introdução desse instrumento lógico, desse tema tomado de empréstimo à sua pequena experiência de criança, desse elemento mítico, vai trazer a verdadeira resolução do problema, através da noção de que o falo é também algo tomado no jogo simbólico, que pode ser combinado, que é fixo quando se o instala, mas que é mobilizável, que circula, que é um elemento de mediação (Lacan, 1995[1956-57], p.272).
O “tempo reencontrado”, ao modo de Lacan, portanto, não é uma simples restauração da continuidade temporal, mas a possibilidade de o sujeito, por meio da simbolização, reconstruir um laço entre sincronia e diacronia que havia sido desfeito pela irrupção do Real. Essa reconstrução só é possível pela assunção da castração, que inscreve a falta como um lugar vazio estruturante na cadeia simbólica.
Nesse sentido, a ilustração da capa do Seminário 4 — Saturno devorando um filho, de Francisco Goya — torna-se ainda mais instigante. Como não reconhecer, no pequeno Hans, o sujeito confrontado com a falha do Outro — devorado não por um pai potente, mas por aquele que não sustenta a função simbólica da castração, e cuja impotência o precipita no abismo angustiante da disjunção temporal?