Kátia Ribeiro Nadeau (CLIPP)
Freud nos apresenta suas elaborações sobre as diferenças entre neurose e psicose num texto de 1923 (ver bibliografia). Aqui diferenciou a neurose como obediente à realidade, onde ao se valer do recalque, se separava de uma parte do “ISSO”. Por outro lado, nas psicoses, a dependência do “ISSO” as separava de uma parte da realidade. Assim, concluía que a perda da realidade, era um fenômeno exclusivo à psicose.
Em 1924, um ano posterior, em seu artigo “A perda da realidade na neurose e na psicose”, coloca que na neurose a relação do sujeito com a realidade também é perturbada, sendo a própria neurose uma fuga da realidade.
Ao retornar, o conteúdo recalcado na neurose, traz uma compensação à parte do “ISSO” que foi perdida na obediência à realidade. A partir desse ponto, há uma perda da realidade, um ponto onde algo não cessa de não se inscrever no simbólico.
Nas psicoses, o que substitui o vazio no simbólico, é análogo ao lugar do analista, onde já não se trata de fazer uso do semblante para perturbar a defesa, mas de fixar um ponto que permita ao sujeito lidar com seu real.
Freud nos diz que tanto a neurose quanto a psicose são a expressão da rebeldia do “ISSO” contra o mundo exterior, marcado pela forçagem pulsional e suas ressonâncias no corpo.
As diferenças entre neurose e psicose estarão mais claras nesta primeira reação à perda da realidade do que nas tentativas de reparação em um segundo tempo.
Na neurose a criação de uma nova realidade se dá pelo fantasma e na psicose pelo delírio.
Seguindo um pouco além, ambas as vias, fantasmática ou delirante, são tentativas de produzir sentido frente ao Real sem sentido que se apresenta.
Lacan em sua elaboração sobre afirma que “Todo mundo é louco”, quer dizer, delirante, pelo fato de serem seres falantes.
A perda da realidade tanto na neurose quanto na psicose é esse encontro, essa marca da ausência de sentido nos seres falantes, quando o Real se presentifica.
Como formas de defesa contra esse Real, quando o recalque falha na neurose, o que deveria ficar oculto retorna e, como efeito, a neurose e o sofrimento aparecem quando algo da relação fantasmática que sustentava tal realidade se rompe.
Todo mundo é louco, quer dizer delirante. Pelo fato de sermos seres falantes lidamos com a marca estrutural que promove a disjunção entre o Real e o mental. A linguagem não pode tudo simbolizar e comunicar, e o conteúdo delirante porta as marcas de cada um daquilo que não foi simbolizado. A partir desse ponto haverá uma modificação da realidade como defesa contra o Real.
Na psicose, devido à foraclusão do Nome do Pai, sem o recurso da ordenação simbólica dada pela significação fálica, o efeito será um retorno do Real no Real.
Seja na neurose ou na psicose, o modo de tratar a pulsão não é definitivo e esse estranho Real aparece nas duas estruturas pela via da fantasia ou do delírio, como forma de resposta frente às manifestações da pulsão.
Esses efeitos dos afetos afetam o corpo dos seres falantes, e por não serem significantes, não existe afeto recalcado; e o retorno do que foi recalcado na neurose ou foracluído na psicose, se inscreve no corpo.
BIBLIOGRAFIA
Freud, S. A perda da realidade na neurose e na psicose (1924). Obras completas de Sigmund Freud, vol XIX, RJ, Imago.
Freud. S. Neurose e Psicose in obras completas, vol 16 Cia Letras: 1923-1925.
Miller, J.A. Todo El mundo és loco – Paidós, 2015