Rodrigo Camargo
O inconsciente é uma espécie de carta. Uma carta que chega ao seu destino. A experiência da análise serviria então de caixa postal deste envio. E o psicanalista seu “carteiro da verdade”. Falar nesses termos não nos pode ser estranho, na medida em que Lacan abre seus Escritos justamente com um texto sobre uma carta extraviada.
Uma carta que não saberemos jamais seu conteúdo. Uma “carta” escrita por Poe que traduzida por Baudelaire do inglês para o francês também deve nos soar, enquanto praticantes da psicanálise, em nosso próprio idioma, o português, como “letra” e também como “ser”.
Enfim, quando alguém nos procura no consultório, trata-se de alguém que por alguma razão recebeu uma notificação de envio, um aviso que precisa retirar nessa caixa postal no qual a psicanálise se presta como lugar de recebimento, de desígnio de um destino senão tão funesto, pelo menos digno de nota.
No entanto, não basta chegar com essa carta em mãos, na manga ou quem sabe até no bolso. É preciso também que se crie condições de atestar esse desvio, esse encontro no qual algo se precipita e exige tal deslocamento.
O inconsciente é então uma carta que cada um carrega consigo. Mas seria uma carta a ser lida? A experiência da análise é a experiência de leitura desta carta/letra. Carta que é de cada um, no singular de cada um. Cabe, portanto, a cada um abri-la enquanto seu destinatário. E caberia, evidentemente, em ler (ou não se ler) o que se encontra ali. A responsabilidade é de cada um daqueles que praticam a psicanálise, sejam eles, portanto, analistas e/ou analisantes.
A dificuldade no caminho de uma análise é que ao mesmo tempo que ao se prestar a ler sua carta do inconsciente na experiência de uma análise, o sujeito ao longo do tratamento analítico vai se deparando e se dando conta do ilegível que essa carta foi se tornando para ele. Afinal, tal carta é ilegível em si mesma, visto que em análise a carta pode se reduzir (no sentido do muro da linguagem) à sua letra ilegível.
Porém, a grande sacada de Lacan e relida por Jacques-Alain Miller foi exatamente essa: a função de uma análise é se reduzir a carta do inconsciente à sua letra. É por isso mesmo que convidar alguém a falar, associar livremente, num primeiro momento é um convite à proliferação de sentido.
Na busca de sentido há uma crença embutida, uma crença na adicção de sentido. E por isso mesmo, vai se encobrindo a estrutura mesma dessa carta.
Essa é a sua verdade, pois a verdade da carta é a sua ilegibilidade. Ao passo que na adicção de sentido, primeiramente, ainda nos termos de uma operação-amplificação, como propõe Miller, evitar-se-ia o encontro com a ilegibilidade da carta/letra.
Isso torna a linguagem paradoxal. O real sem lei pede sentido, isso quer dizer: quanto mais pede sentido, mais ele domina e quanto mais ele domina, mais ele pede sentido. Mais, ainda.