Leny Magalhães Mrech(EBP/AMP/CLIPP)
“Creio que em nossa época, a marca, a cicatriz da evaporação do pai, é o que poderíamos por como a rubrica e o título geral de segregação. Cremos que o universalismo, a comunicação de nossa civilização homogeneíza a relação entre os homens. Eu penso, ao contrário, que o que caracteriza nosso século – e é impossível de dar-se conta – é uma segregação ramificada, reforçada, repartida em todos os níveis, que não faz mais que multiplicar as barreiras”. (Jacques Lacan)*
Para introduzir a noção de Segregação é preciso deixar claras algumas observações. Segregação não é um conceito fundamental da Psicanálise, não aparece de forma explícita em Freud, que o utiliza apenas como sinônimo de separação, com destaque nos chamados textos culturais: Psicologia das Massas e análise do Eu e O Mal-estar na civilização.
Contudo, será em Lacan, a que nos dedicaremos nesse texto, que surgem citações mais específicas.
Segregação vem da palavra latina segregatĭo,ōnis, de origem grega, que tem a ideia de “agregar a um rebanho”. Na linguagem comum serve para separar ou marginalizar uma pessoa ou um grupo de pessoas por motivos sociais, políticos, culturais ou raciais, mas aparece também no plano biológico como a substância de um órgão ou glândula que tem um conteúdo expulso.
Marie-Hélène Brousse em seu texto Segregación versus Subversión revela que, no século XXI, vivemos a evaporação do nome do pai, não podendo mais falar de segregação, mas sim no plural, segregações. Isso porque tem atingido todos os níveis da sociedade, desde a questão antiga das guerras com os exilados dos países, até a Guerra da Ucrânia e os seus 14 milhões de exilados. Portanto, o modelo que tem predominado é o segregativo, bastante similar aos campos de concentração previstos por Lacan na “Nota sobre o Pai”, ao falar da importância de uma segregação ramificada. Pode-se dizer que atualmente a segregação é parte da vida cotidiana de cada um.
Como Lacan introduz o conceito de Segregação? Em Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da escola, ele faz menção dos efeitos do discurso da ciência, evocando o campo de concentração nazista como um precursor do reordenamento das agrupações sociais feitos pela ciência e, em especial, a universalização que esta introduz e, ainda, vaticinando que nosso futuro de mercados comuns encontrará seu contrapeso na expansão cada vez mais dura dos processos de segregação.
Em outubro de 1967, em Alocução sobre as psicoses da criança, Lacan se manifesta revelando que o problema mais candente da época seria que o progresso da ciência poderia vir a questionar todas as estruturas sociais, o que acabaria por levar à segregação.
Entre novembro de 1971 e janeiro de 1972, no Hospital Saint-Anne Lacan, ao se dirigir aos residentes de psiquiatria em três conferências (publicado por Jacques-Alain Miller em Estou falando com as Paredes – Conversas na Capela de Saint-Anne) revela que, na psiquiatria, há a segregação da enfermidade mental que está ligada a um discurso – o discurso do mestre.
No Seminário O Avesso da Psicanálise, Lacan trabalha com os quatro discursos e atribui (como aponta Marie Helene Brousse, em Segregación versus Subversión), a ascensão da segregação e as modificações de suas modalidades a uma mutação do discurso – o discurso do mestre – quer dizer, dos laços sociais enquanto ordens.
O discurso do Mestre se apresenta sob o domínio da ciência, através das cifras e tecnociências. Os sujeitos são transformados em dados cifrados e a gestão se faz sem palavras.
Marie-Helene Brousse (Segregación versus Subversión) revela que a segregação é o modo de gestão das massas humanas através do tratamento estatístico dos dados. A decorrência é que, através do discurso do capitalista, surge a transformação dos sujeitos falantes em “Uns sós”, tal como propõe Jacques- Alain Miller em relação ao último ensino de Lacan.
A fraternidade emerge como resposta. São os egos que fazem grupos. Os “Uns sós” se agregam aos grupos. A hetero-segregação inicial da sociedade se transforma em autossegregação, uma segregação voluntária.
Marie-Helene Brousse aponta em Segregación versus Subversion, que “o século XXI é o século dos irmãos e irmãs, tentando construir um Ego comum com uma característica que os uma”.
O que ocorre é um aumento do racismo; todo traço pode ser declinado como raça, o que acaba reforçando as loucuras identitárias. Um caminho possível é a experiência analítica. A busca, como aponta Brousse, passa pelo que era o real do deciframento, ao real do organismo, da materialidade das palavras associadas à marca de gozo no corpo, o que visa a queda das identificações impostas pelo discurso do amo, procurando reduzi-las a significantes-mestres que, embora já tivessem marcado o corpo dos sujeitos, possam ser novamente enunciados e extraídos.
Brousse propõe finalmente que, em face da orientação segregativa proposta pelo discurso do mestre, da ciência e do capitalista, torna-se importante a Psicanálise atuar através da subversão destes discursos. Trata-se de destacar os “Uns Sós” como seres falantes, o que aparece através da singularidade de cada um.
*Note sur le père”, La cause du désir, no. 89, Navarin Editeur, Paris, março, 2012, p. 8.
Referências Bibliográficas
Brousse, Maria Hélène, Segregación versus Subversión (1). In Glifos – Revista de la Orientaición Lacaniana de la Ciudad de México, no. 9, marzo, 2018.
Freud, Sigmund – O Mal-Estar na Civilização, Novas Conferências Introdutórias e outros textos,(1930-1936). Companhia das Letras, texto mimeografado.
___________ Psicologia das Massas e Análise do Eu e outros textos, (1920-1923). Companhia das Letras, texto mimeografado.
Lacan, Jacques – Alocução sobre as Psicoses da Criança, texto mimeografado, 1967
___________ Estou falando com as Paredes – Conversas na Capela Saint-Anne. Rio de Janeiro, Editora Zahar, 2011.
__________ Note sur le père In Cause du désir, no. 89. Paris, Navarin Editeur, março, 2012, p. 8.
_____________ O Seminário – O Avesso da Psicanálise, livro 17. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1992.
_____________ Proposição de 9 de Outubro sobre o Psicanalista da Escola – Texto mimeografado.