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CLIPP ENTREVISTA

ENTREVISTA: MARIA SILVIA HANNA*

Autora do livro “A transferência no campo da psicose: uma questão”.
Imagem: @art.upon.contempo rary by Lucas Izzo

Imagem: @art.upon.contempo rary by Lucas Izzo

CLIPP – Maria Sílvia, na introdução do seu livro, você diz partir da fala de Lacan “Todo mundo é louco, quer dizer, delirante”, o que engloba todo ser falante habitado pela linguagem e atravessado por lalíngua, e isso leva a diferentes delírios na neurose e na psicose. Você utiliza delírio como significação, não sendo homólogos na neurose e na psicose. Pode fazer um breve comentário sobre a diferença?

MARIA SILVIA – Generalizar a loucura foi uma consequência das elaborações do último ensino de J. Lacan. Essa concepção fez cair a ideia de normalidade, que partia do modelo da neurose e situava a psicose como uma estrutura deficitária. Encontramos em Freud (1925) um antecedente para a afirmação de J. Lacan, que ordena a neurose e a psicose a partir de uma perda da realidade (retirada da libido dos objetos). Nesse sentido, a perda da realidade é para todos. A questão é como cada um faz com isso. A raiz etimológica do delírio que se compõe de: (de) que significa fora e (lírio) que é trilha, permite parafrasear J. Lacan, dizendo: Todos os seres falantes andam fora da trilha, mas, acrescentando sempre, que cada um o faz à sua maneira. A experiência delirante na psicose revela em seu discurso a verdadeira estrutura dos objetos a, especialmente o objeto olhar e o objeto voz. Assim, escutamos o sujeito dizer que o Outro lhe fala, fala dele, que o Outro lhe olha, isto é, a marca da estrutura que o faz padecer. Os delírios no campo da neurose que se traduzem por fantasias ou por sonhos diurnos velam os objetos a. Essa apresentação dos objetos faz com que o neurótico esqueça que é falado, que é olhado, identificando-se com o sujeito que fala. O neurótico acredita que é ele quem fala. Essa distinção é fundamental para o analista entender como o sujeito se situa em relação ao Outro, ao objeto a e em relação ao inconsciente.

CLIPP – Na “primeira parada”, você aborda a questão dos medicamentos e a relação com a psiquiatria. Num caso de psicose em tratamento psicanalítico, qual seria o lugar do parceiro-medicamento?

MARIA SILVIA – Hoje, 2020, é impossível negar a presença e a eficácia de alguns medicamentos, sempre e quando eles não apaguem a singularidade, o detalhe, tão necessário para o sujeito poder inventar aquilo que permitirá manter  amarrados os elos Real, Simbólico e Imaginário, isto é, o sinthoma.

É algo que devemos ir acompanhando em cada caso, e passo a passo.

CLIPP – “A inclusão do analista como objeto-representação na vida do sujeito” produz neurose de transferência, o que abre caminho para a solução da neurose, o que não é o caso na psicose. Na “terceira parada” vimos que o analista pode funcionar como um interlocutor que ouve a construção delirante e partir daí, algo novo pode ser gerado. Como você avalia sua afirmação em relação ao que seria “secretário do alienado”?

MARIA SILVIA – O secretário do alienado é um lugar que o analista pode vir a ocupar, mas não é o único. O analista não escolhe o lugar que ocupará, ele acolherá aquilo que lhe espera e com isso terá que fazer.

CLIPP – Você propõe delimitar os eixos Simbólico, Imaginário e Real para situar o lugar do analista na direção do tratamento. Pode falar algo a respeito?

MARIA SILVIA – Em princípio, penso que os registros delimitados em relação ao lugar do analista podem vir a elucidar a função que ocupa em distintos momentos do trabalho da análise. O analista, a partir do caso apresentado no livro, no qual houve uma construção delirante, ocupou três lugares: o lugar do Outro, o lugar do outro (semelhante) e o lugar do Ideal (destinatário). Entendi que essas distinções funcionaram como bússola para realizar a manobra de transferência, tão importante no caso.

*EBP/AMP – Psicóloga pela Universidade de Buenos Aires, Mestre em Psicologia (PUC-Rio), Doutora em Teoria Psicanalítica (UFRJ).