Dizer o indizível
por Hélène Bonnaud
Em uma análise, o sujeito vem para falar sobre o que não funciona, o que o incomoda, o torna obcecado ou angustiado. Algo do seu gozo é opaco para ele. Uma vez que o Sujeito Suposto Saber está instalado, surge um fenômeno na análise: a fala se modifica. Não está mais aberta aos quatro ventos, nem a todo significado e convoca uma nova maneira de se dirigir ao Outro: “a sessão analítica é um espaço em que o significante mantém sua dignidade” [1] nos diz Jacques-Alain Miller. Dizer o indizível só é possível nessa condição.
Localizar o acontecimento
Atualmente, a clínica nos confronta com um aumento vertiginoso de queixas de abuso sexual, sejam intrafamiliares ou não, indicando o impacto do significante família em nossa prática. No entanto, aquilo que é traumático nem sempre está evidente. Há o excesso de certos fatos, mas também há o infinitesimal ou o infinitamente pequeno do encontro com um gozo indizível. Por exemplo, a tortura psíquica que, às vezes, condições perversas de amor impõem, as alusões sexuais reiteradas nos corpos dos adolescentes, os olhares e as mãos que vão longe demais, há violência, desprezo, humilhação, inquietação noturna, proibição trespassada, etc. O atentado [attentat] sexual exige uma série de afetos, incluindo a angústia, “aquilo que não engana” [2], como disse Lacan.
Freud também descobriu que a fala se torna mais difícil quando se trata de desvendar as fantasias. Essa reticência demonstra que a liberdade da fala encontra um obstáculo, o da vergonha, um sinal indicando que o gozo toca o íntimo.
O indizível do gozo
Dizer o indizível ressoa com o título de nossas Jornadas (ECF 2020). Está situado na junção do íntimo e aquilo que pode ou não pode ser dito sobre o encontro traumático, do qual o incesto e o estupro marcam a dimensão do atentado [attentat]. A sexualidade é aí forçada e reduz o sujeito a ser um objeto sexual submetido à relação sexual sob ameaça, chantagem e vontade de um outro. A ruptura [effraction] é responsável por um ponto obscuro em que o ato sexual desnuda o imaginário, que serve de suporte ao tecido simbólico, tão frágil em relação à sexualidade. A tela da fantasia fundamental está quebrada. O que resta é o choque do real. É com isso que o sujeito que sofre estupro ou incesto é confrontado. Para a psicanálise, essa ruptura [effraction] deve ser tomada como sinônimo do “real (…) sem lei” [3], conforme definido por Lacan.
Dizer o indizível é um convite para dizer o que não pode ser dito, no âmbito do real. O trauma sexual apoia a circunscrição do indizível do gozo, sempre traumático. Este é o ponto sensível do nosso tema. Como explicar o trauma do encontro sexual, que é estrutural, com a intrusão do estupro? Como delinear a borda? Qual papel dar à fantasia? Como entender o uso que um sujeito faz de sua fantasia como defesa, quando foi confrontado com o ilegível do desejo do Outro, que o mergulhou no Hiflosigkeit freudiano? [4]
A psicanálise não busca confissões nem evidências. Não reduz a fala a uma verdade factual, mas àquela que está escrita na ruptura, na descontinuidade, na desordem mencionada. O sintoma é sua bússola. Sendo o real do trauma, ele já marca sua função como inscrição, mesmo que seja um après coup, às vezes distante do evento traumático, o nachträglich freudiano que sinaliza sua dimensão de corte. É porque houve um trauma que há um sintoma, mas isso não basta, indica Freud. É o encontro com um gozo desconhecido que retornará no sintoma. Como uma formação que oculta o real em jogo, o sintoma é uma chance para o sujeito. É uma resposta a uma pergunta impossível de formular. Sua função é dar um nó, até mesmo reparar o furo. É por isso que “colocar o trauma em palavras”, como já foi dito, não o resolve, porque permanecerá impensável para o sujeito, deixado vazio ou aprisionado no sintoma, “o horror de um gozo desconhecido para si” [5]. Dessa maneira, ele responde pelo termo ruptura [effraction] como um acontecimento fora-de-sentido. Tão logo dizemos algo sobre isso, tentamos inscrevê-lo na história de alguém, pensar em sua lacuna, alojar o objeto a como um pensamento, panser. Sob transferência, o indizível encontra uma via/voz [voie/voix]. Às vezes, passa pela escrita dada ao analista para ler, como um traço daquilo que não pode ser dito. A partir de então, algo é destacado e o ser falante testemunha os efeitos do silêncio que fixaram certas imagens, certos olhares ou certos gestos. O encontro com o inominável pode, portanto, ser lido.
A psicanálise diante de trauma
Devemos questionar a clínica psicanalítica em relação a todas as outras modalidades terapêuticas atuais à disposição dos sujeitos cujo o objetivo seja de se libertar de traumas sexuais. Lá, onde a confissão funciona como uma reparação que permite a nomeação de “vítima de abuso sexual”, abordamos o trauma sexual como uma tensão entre a violência sofrida e o gozo que ali se fixou. Não colocamos uma mordaça no gozo encontrado ou em seus efeitos ao longo do tempo. Dizer o indizível, também é acolher o que se pode ouvir daquilo que é dito nas entrelinhas, o que é dito de um gozo que foi experimentado e inaceitável, ou também negado, e do qual os sintomas podem ser descendentes, sejam eles sintomas relacionados ao próprio ato sexual (vaginismo, repulsa, recusa de sexo, impotência etc.) ou sintomas de inibição na vida amorosa, agressividade ou medo em relação aos homens, associados ao pavor.
O gozo é sempre uma ruptura [effraction], seja ele trauma sexual ou não. Dizer o indizível é, nesse sentido, uma descontinuidade entre o discurso terapêutico e a psicanálise. O primeiro se ocupa em reconhecer os danos causados pelo trauma, enquanto a psicanálise lida com o que está abaixo do trauma. Trata-se de alcançar os limites de um gozo sempre singular e que não pode ser reparado: aquele que fala é responsável por seu gozo, sua culpabilidade revela seu peso, porque “alguém é mais ou menos culpado do real” [6]. Lacan especifica.
A psicanálise é, nesse sentido, um lugar onde o que se diz se torna, antes de tudo, um acontecimento para si mesmo, na medida em que o analista sabe como capturar [saisir] o dito. “Que se diga fica esquecido detrás do que se diz no que se ouve.” [7] Essa frase de Lacan chama atenção para o que é dito [dit], vinculado à verdade, quando dizer [dire] faz furo, índice do real.
Dizer é um acontecimento
Em seu seminário Les non-dupes errent, Lacan indica que “dizer é da ordem de um acontecimento”[8], o que não é o caso da fala, “porque sem ele não estaríamos dizendo palavras vãs!” [9]. Essa formulação indica que existe algo do real no significante. O atentado [attentat] sexual é um dos nomes desse real. A psicanálise pode dizer algo sobre isso. Mas cuidado, ela não pode dizer tudo nem saber tudo sobre isso. A clínica nos permitirá descobrir que cada um segue com seu trauma até o ponto em que as palavras ditas são esvaziadas de seu gozo de sentido [jouis-sens], e o que resta delas é a escrita: os restos sintomáticos como Freud os chamava; o que Lacan nomeou sinthome, cuja escrita circunscreve um dizer que é lido apenas no final da análise e que traça uma possível solução entre o que percebemos – uma vez atravessada a fantasia fundamental – do real traumático que produziu a fixação de gozo e o dizer que o ecoou.