Mistério e o Canto dos Pássaros
por Anne Edan
“O que é esse vírus, Theo?”
Theo: “É um vírus que faz as crianças irem embora.”
Estas são as palavras de uma criança de três anos e meio que pergunta: “Por que não há crianças na escola?” durante os dias após a emissão da ordem de se proteger em casa.
Theo não disse que o vírus adoece os adultos, nem que assusta os pais e os professores. A criança estava fazendo uma observação subjetiva de sua experiência; desde a chegada do vírus, não havia mais crianças na escola. Theo concluiu que todos haviam voado [they had all taken flight].
Ele não falou em tosse, febre, dor, cansaço ou perda do olfato. Ele nos contou o que viu. Não há mais crianças na escola e só vemos as mesmas pessoas em casa. Bem ali, esse era o grande mistério.
O grande mistério para Theo, e para aqueles entre nós que tentam entender as teorias de nossos pequenos [youngest], é: por que essas pessoas se encontravam nesta posição, virtualmente presas, ou mesmo fugindo? Como todas as outras pessoas, essa criança precisa forjar sua própria explicação sobre aquelas coisas que são indecifráveis e impossíveis de entender.
Os pais, lançando mão dessas palavras, encontram-se na posição de Roberto Benigni em “A vida é bela”, tentando fazer uma hipótese civilizada a partir de uma situação inexplicável. O voo/lance [flight] agora se tornou um isolamento, uma hibernação. Os adultos mantêm a compostura e suportam a crise, parando até mesmo de cumprimentar os outros porque existe esta “pequena doença que anda circulando”. Então, como não podemos mais cumprimentar as pessoas, ou mesmo lutar como fazíamos antes, podemos pelo menos ouvir, e talvez até mesmo ouvir, o canto dos pássaros.
Este também é um vírus que pode ser transmitido [communicated] pelo Zoom, que pisca, acende e merece aplausos e vivas todas as noites às 21:00h. Nós, também, compartilhamos nossos pensamentos sobre o voo/lance [flight] e esses afastamentos; e ainda os pedidos de ajuda diminuíram muito durante essas primeiras semanas de isolamento. Os terapeutas, como todos os outros médicos, aguardam uma onda; o momento em que os gritos e choros, as lágrimas e a dor, terão de ser enfrentados para dar sentido à loucura. O momento em que o prazer, a paz, até mesmo a ação de distanciamento social, devem ser integrados para evitar a opção de pegar a doença. É por isso que existe um lugar único e especial reservado para o analista; esta oportunidade de acolher essas pequenas verdades que todos nós temos e de ter outras pessoas compartilhando suas próprias teorias. Compreendendo e concluindo, como Theo, que “existe um pequeno vírus circulando que faz as crianças irem embora”.