A ‘Fadiga do Zoom’ – Uma Nova Forma De Cansaço
por José R. Ubieto
O isolamento nos trouxe uma forma nova e paradoxal de fadiga: a fadiga das vídeo-chamadas. Paradoxal porque, apesar de agora os corpos não circularem pelos corredores do metrô, pelas ruas lotadas ou nos engarrafamentos sem fim, eles terminam o dia, contudo, mais exaustos do que antes.
Corpos capturados nas telas
A primeira razão parece óbvia: se eles não circulam livremente, é porque estão presos entre incerteza e medo, angústia e tristeza. A fadiga é um dos sinais clássicos de afeto depressivo, juntamente com outros como tristeza, choro ou falta de desejo (apetite, sexual, prazer…). Mas há outras razões derivadas especificamente do uso da tecnologia. As salas virtuais onde nos reunimos por vídeo-chamada com colegas, pacientes, amigos ou familiares deslocam a imagem e o corpo. Nas telas, nossa imagem aparece para todos verem, sim, mas mais fixa e rígida do que o habitual, às vezes até temporariamente congelada. Enquanto na intimidade (familiar), temos o corpo.
Esse simples fato tem suas consequências porque, quando presencialmente, o corpo e a imagem estão acompanhados e mantidos juntos, com a inclusão da fala. Os três são atados [knotted] de acordo com o estilo de cada pessoa (introvertido, extrovertido, extravagante, discreto …). Manter constantemente a imagem e o olhar nas telas é cansativo, porque também não contamos com outros recursos expressivos (gestos faciais e corporais). Mesmo o silêncio (que faz parte da voz) não pode ser usado como desejamos. Não se deve ignorar que, às vezes, esse silêncio nos é imposto por deficiências na conexão sem que saibamos se é intencional (do interlocutor) ou estranho a ele. Não temos outra opção, então, do que olhar para a tela e escrutinar os múltiplos estímulos da galeria (da imagem) de todos os outros participantes, numa tentativa desesperada de reduzir a distância dos corpos.
Mesmo lugar, mesmo semblante
Também perdemos a opção das mudanças de ritmo que os deslocamentos implicam e que iluminam a mente e o corpo. Agora, nos reunimos no mesmo espaço com amigos, familiares ou colegas, tudo sem sair de casa. A suposta diversidade se resume a mais do mesmo. A isto se acrescenta que, na vida presencial [face to face], os seres falantes criam um semblante (aparência) para lidar com o mundo. Um modo, cada um com o seu, de enlaçar [Knotting] o corpo, a fala e a imagem, que é composto e decomposto nos rituais do encontro: saudação, contato, despedida, diferente de acordo com cada cultura, costume ou estilo. Agora, no entanto, esses rituais foram reduzidos a uma única versão: a digital. E, no final, verifica-se que essa ‘repetição do mesmo’ nos esgota e nos aborrece. Existem até quem procura papéis de parede para imaginar outros espaços e outras sensações em suas reuniões virtuais.
Atenção é dinheiro!
Esse fenômeno, ao qual o filósofo Byung-Chul Han dedicou seu último livro ‘The disappearance of rituals’ (O desaparecimento de rituais, em tradução livre), Wiley, 20201, já tem uma certa história. Surgiu, há alguns anos, da preocupação de algumas empresas de tecnologia, desesperadas por um novo modelo de negócios que envolvesse capturar a atenção constante das pessoas. Isso levou ao estudo da “economia da atenção”, porque os dividendos dependiam dessa atenção. À medida que o conteúdo e as informações crescem de forma ilimitada – aumentando a oferta e desvalorizando-a economicamente -, o recurso mais escasso e mais valioso é a atenção. Isso cria uma concorrência feroz e impulsiona novas fórmulas para reter o consumidor pelo maior tempo possível. Dessa maneira, é possível extrair as informações que ocorrem durante a conexão, o que aumenta e produz mais benefícios. É a base do garimpo do Big Data. Fixar a atenção é, acima de tudo, fixar o olhar, que não deve ser confundido com um exercício de concentração intelectual que produziria conhecimento analítico. Fixar o olhar é gozar dele, satisfazer o que os psicanalistas Freud e Lacan chamavam de pulsão escópica. A pulsão é um impulso para uma atividade repetida, que não para e cuja satisfação reside no próprio fato de sua repetição. Se isso também puder ser monetizado, como acontece digitalmente, é a cereja do bolo! Todo mundo ganha: o usuário da Internet e os provedores. A hiperatenção também é uma terapia para a ansiedade, diferente e mais aceitável que algum medicamento. Se tenho dúvidas sobre quem sou, meu valor social, como os outros me percebem, o que chamam de autoestima, a exposição às telas me dá algumas respostas. Embora deva-se admitir que elas geralmente são insatisfatórias ou têm vida curta.
O virtual não substitui a presença
As qualidades da conectividade são evidentes, e mais ainda em tempos de pandemia. Elas mantêm e criam alguns elos e até formam comunidades virtuais. Esse efeito não deve ser negligenciado ou radicalmente separado da presença ao vivo, como Han faz. A chave não está, como ele pensa, na comunicação, mas na satisfação obtida. Todos os rituais – inclusive os virtuais – ocultam o fato de que nossa satisfação tem um tom autista inevitável. Escondem o fato de que gozamos sozinhos com nosso objeto (as telas). Daí a necessidade de reproduzir esses mesmos encontros presenciais na rede.
O problema surge quando o abuso de vídeo-chamadas e telas – a fixação ininterrupta da pulsão – acaba produzindo tédio e cansaço. A boa notícia é que existe vida além desse tipo de zumbido constante da vida útil do zoom em que estamos. Para isso, é conveniente se separar um pouco do efeito hipnótico, reduzir os encontros virtuais e ocultar o olhar (tela) de tempos em tempos, restringindo-o à voz.
A crise atual não deve nos fazer esquecer que o virtual pode complementar, mas não substituir, a reunião presencial, a presença dos corpos na carne.