Rodrigo Camargo (CLIPP)
“(…) o psicótico é um mártir do inconsciente, dando ao termo mártir seu sentido, que é o de testemunhar. Trata-se de um testemunho aberto. O neurótico também é uma testemunha da existência do inconsciente, ele dá um testemunho encoberto que é preciso decifrar. ” (Lacan, J. O Seminário – Livro III As Psicoses. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., p. 153).
A diferença entre neurose e psicose é crucial para o tratamento analítico. Trata-se de uma oposição estrutural. São duas respostas bastante distintas e absolutamente contrárias frente à inexistência do significante que representa o sujeito para a o Outro.
Não existe possibilidade alguma de que não falte um termo, o Outro jamais está completo, por isso mesmo há uma ordem simbólica. Trata-se de uma transformação estrutural impossível entre neurose e psicose.
De um lado, na psicose, a foraclusão recai sobre o termo da Lei. Falta um termo, todavia essa falta não está legalizada. Por outro lado, na neurose essa falta está legalizada porque ali opera o significante da Lei, o significante do Nome-do-Pai. Portanto, se há o impossível, isso não implica que o sujeito seja reduzido à impotência. Aliás, muito pelo contrário. É justamente a partir desse impossível que se abrem as possibilidades, ou melhor, abre-se todo tratamento possível das psicoses.
Para o ser falante, o que é lugar do impossível é também lugar do proibido. Eis uma primeira versão do Outro. Mas qual é então o lugar do Outro nos diferentes momentos do ensino de Lacan? A partir do lugar do Outro localiza-se também o lugar do psicanalista no quadro clínico do tratamento. Afinal, o estatuto do Outro não é o mesmo no início e no final do ensino de Lacan, no início e no fim de uma análise.
Logo no começo do caso Schreber, na primeira página, Freud diz que “o exame psicanalítico da paranoia seria absolutamente impossível, se os doentes não possuíssem a peculiaridade, ainda que de forma distorcida, de revelar justamente aquilo que os outros neuróticos escondem como segredo.”
Assim, o Outro não pode ser tomado somente como lugar da fala, tesouro do significante, já que funciona também como testemunha da verdade, como atesta Lacan. Verdade essa, para ele, que obtém da fala sua garantia. Tal garantia é a do significante que por sua estrutura ambígua, exige outro lugar para que a fala que o Outro sustenta possa mentir.