Mariana Bacigalupo Martins
A partir da pergunta proposta para esta Jornada sobre o ensino de Jacques Lacan no Brasil e se “O discurso analítico pode afetar o discurso da ciência e do capitalista”, gostaria de compartilhar minha experiência e tecer alguns comentários a respeito da eficácia simbólica da psicanálise segundo a articulação que faz Graciela Brodsky em seu texto “A eficácia da psicanálise”, para sustentar que ao fazer questão sobre um procedimento no atendimento aos pacientes, uma mudança neste procedimento ocorreu. Minha hipótese é que o discurso analítico provocou efeitos simbólicos no trabalho da equipe.
No seu texto Graciela afirma que o tema da eficácia não agrada muito os analistas. No entanto, a partir de suas considerações, é possível pensar que a eficácia simbólica pode provocar mudanças no discurso da ciência que se ocupa em suturar um real que não cessa de não se escrever. Onde a ciência fracassa em domar o real, a psicanálise pode dizer algo sobre esse real através da verdade do sintoma. Ela diz “Na eficácia simbólica, a causa é significante e o efeito é o próprio sujeito” e retoma Lacan dizendo que o significante é causa material do sujeito, efeito da articulação S1-S2. Ela diferencia a eficácia simbólica da analítca sendo que esta última acontece quando o sujeito que aparece no encadeamento da fala pode mudar de posição em relação ao seu dito.
Mas como se articulou a eficácia simbólica ou o efeito sujeito da psicanálise no trabalho da equipe multidisciplinar onde atuo?
Esta equipe é composta por fonoaudiólogos, pedagogos, terapeutas cognitivos, psicopedagogos e neuropsicólogos. A princípio o saber psicanalítico foi incluído aí numa série a fim de completar os saberes, principalmente no momento de decidir qual seria o melhor atendimento para uma criança. Normalmente, o encaminhamento do paciente para um profissional é feito visando atender a demanda dos pais e sustentado por uma avaliação neuropsicológica que procura estabelecer um diagnóstico que irá nortear as intervenções terapêuticas.
Os profissionais da clínica participam de dois momentos: o primeiro que é a apresentação da avaliação neuropsicológica em equipe, que inclui além de vários testes cognitivos e projetivos, entrevistas com pais e questionário encaminhado à escola. E um segundo momento que é o atendimento da criança propriamente dito.
Há casos em que a avaliação neuropsicológica indica uma forte correlação dos dados colhidos nos testes ao diagnóstico de TDAH, por exemplo. Nestas situações o paciente é diagnosticado e encaminhado para uma terapia cognitiva com o objetivo de sanar esse déficit através de psicoeducação ou, para atendimento psicopedagógico a fim de estabelecer estratégias para as questões escolares.
Quando não se verifica nenhum transtorno de ordem cognitiva ou, de ordem pedagógica, normalmente é concedido aos pais do paciente o diagnóstico de transtorno ansioso de origem relacional ou emocional. Na maioria das vezes, são estes os casos encaminhados para serem atendidos por mim.
Algumas dificuldades se apresentam nesse sistema de trabalho logo de saída: como atender uma criança sem que o discurso dos pais se articule ao sintoma apresentado pela criança? Outro problema é supor um atendimento em que o foco será a extinção do sintoma. São problemas que exigem um esforço a mais para sustentar um trabalho pela via do inconsciente. Contudo, apesar das contingências, acredito que um trabalho analítico está sendo possível, tanto nas reuniões de apresentação da avaliação, como nos atendimentos no sentido da decifração do sintoma da criança.
Um exemplo do que penso ter sido efeito da eficácia simbólica que fez emergir os sujeitos envolvidos no processo, foi a mudança no procedimento de entrada da criança para o atendimento. A partir da constatação em reunião com equipe que grande parte dessas crianças não faziam idéia das razões para o atendimento, que não era possível conectar o resultado diagnóstico obtido à posição sintomática que a criança ocupava no discurso dos pais e para evitar que uma nova avaliação começasse durante as sessões, os psicólogos foram incluídos no processo de avaliação e a criança foi incluída na sessão devolutiva sobre os testes que antes aconteciam somente com os pais. Falar em reunião sobre o fato das crianças não estarem implicadas, produziu o efeito sujeito que pôde questionar essa prática e mudar sua posição em relação a ela.
Para evitar que “uma nova avaliação começasse”, como se costumou dizer na clínica, o procedimento institucional mudou e os sujeitos envolvidos no processo foram chamados não somente a escutar, como também a falar.
Gostaria de concluir com as considerações que Laurent faz no texto “A eficácia da psicanálise” (2011). Ele diz que “se a psicanálise tem relação com o sujeito que sofre, é perfeitamente legítimo do ponto de vista da técnica, demandar-lhe dar conta de sua eficácia sobre este sofrimento” (p. 123). No entanto, lembra que a psicanálise não pretende ter êxito em todos os casos, mas se propõe a produzir as razões de seu fracasso. Com Lacan se pode dizer que onde houver sintoma e onde o real insistir, uma psicanálise é possível, desde que fracasse em curar o mal-estar, isto é, desde que ela possa existir a título de sintoma.
Referências Bibliográficas
BRODSKY, Graciela. La eficácia del Psicanálisis. Bitácora Lacaniana – El psicoanalisis hoy, n.1, mayo de 2006. In: http://contrasentido.net/wp-content/uploads/2007/01/g-brodky-la-eficacia-del-psicoanalisis.pdf
LAURENT, Eric. A eficácia da psicanálise. Aleph – Revista da Delegação do Paraná da EBP, n.2, agosto, 2011, p. 163-166.