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A CONSOLIDAÇÃO DO DISCURSO CAPITALISTA E A QUEDA DO NOME-DO-PAI

                        Hardeep Pandhal

Rafael Zanato (CLIPP – Núcleo de Psicanálise e Filosofia)

 

Lacan enuncia os quatro discursos (do mestre, da universidade, do analista e da histérica) a partir do Seminário 17 – O Avesso da Psicanálise. Estes quatro discursos circulam nas relações sociais e funcionam como semblante, o que nos permite afirmar que todo o discurso é semblante.

O discurso do mestre é segregativo e “não é o avesso da psicanálise, é o lugar em que se demonstra a torção própria (…) do discurso da psicanálise” (Lacan, 1971/2009, p. 9). O significante-mestre (S1) tampona o sujeito ($) funcionando como a própria castração e se dirige ao saber (S2) que produz o mais-de-gozar (plus de jouir):

Podemos entender deste discurso que o mestre (S1) dirige-se ao escravo (S2) e este, ao trabalhar para o mestre, aprende e encarna o saber, produzindo como excedente o mais-de-gozar (a), segundo o modelo marxista da mais-valia.

Marx marcou a essência do capitalismo com a mais-valia, “benefício de um sobre-trabalho não remunerado. Ora, este acréscimo, esta mais-valia volta-se sobre si mesma, toma-se a si mesma por fim, constitui-se como força puramente quantitativa de um significante que seria, contra sua estrutura própria, idêntico a si mesmo” (Martin, 1984, p. 15). Em outras palavras, a mais-valia é o que o capitalista toma para si, sob a forma de juros e/ou lucro, ao invés de pagá-lo aos empregados.

Fink (1998, p. 122) destaca que “o empregado nunca desfruta deste produto excedente, ele o “perde”. O processo de trabalho produz o empregado como um sujeito “alienado” ($), simultaneamente produzindo uma perda (a). O capitalista, como Outro, desfruta desse “produto excedente” e logo o sujeito vê-se trabalhando e se sacrificando para o desfrute do Outro.

Na conferência de Milão em 1972, Lacan disserta sobre o discurso do capitalista não ser um quinto discurso, mas mais um além dos quatro. “O que se opera entre o discurso do senhor antigo e o senhor moderno, que se chama capitalista, é uma modificação no lugar do saber” (Lacan, 1969-1970/1992, p. 29-30), ou seja, há uma troca entre as posições do S1 e do $:

Este deslizamento do discurso do mestre para o discurso do capitalista não produz laço social e foraclui a castração; o avanço da ciência e da tecnologia faz com que haja um excesso de objetos a direcionados ao $, gerando mais angústia e incompletude ao sujeito que, por natureza, quer voltar a estar completo, consumindo desenfreadamente para não se sentir castrado.

A consolidação do discurso do capitalista, com os gadgets cada vez mais modernos e próximos da realidade, juntamente com a queda do Nome-do-Pai (declínio da autoridade simbólica), renova o mal-estar na civilização escrito em 1930 por Freud: repressão orgânica, além da repressão social, afinal “a posse de bens privados dá poder a um indivíduo, e com isso a tentação de maltratar o próximo; o despossuído deve se rebelar contra o opressor, seu inimigo” (Freud, 1930/2010, p. 285).

A queda do mito do pai primevo, que gozava de todas as mulheres, mas as interditava para que os filhos não gozassem, somada à falência da função paterna, podem desorientar o sujeito que busca uma direção, uma resposta. Isto abre caminho e espaço para o Outro dominante, representante da lei, como se observa com a ascensão da extrema-direita em todo o mundo. Governos totalitários pregam o restabelecimento da “ordem” e, mais especificamente no Brasil, parte da população acampa em frente a quarteis implorando por uma intervenção “divino-militar”.

Afinal, “em qualquer plano, o pai é aquele que deve assombrar a família. Se o pai não assombra mais a família, naturalmente, vai-se encontrar coisa melhor. Não é obrigatório que seja o pai carnal, sempre haverá quem assombre a família, a qual todos sabem ser um rebanho de escravos. Haverá outros que a assombrem” (Lacan, 1971-1972/2012, p. 200).

BIBILIOGRAFIA:

Fink, B. (1998) O sujeito lacaniano – entra a linguagem e o gozo

Freud, S. (1930-1936) O mal-estar na civilização, novas conferências introdutórias e outros textos. São Paulo: Companhia das Letas

Lacan, J. (1992[1969-1970]) O Seminário, livro 17: O avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.

Lacan, J. (2009[1971]) O Seminário, livro 18: de um discurso que não fosse semblante. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.

Lacan, J. (2012[1971-1972]) O Seminário, livro 19: … ou pior. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.

Lacan, J. (1972) Do discurso psicanalítico – Conferência de Milão

Martin, P. (1997[1984]) Dinheiro e Psicanálise