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À LUZ DO NOVO IMAGINÁRIO

AS LONG AS THE SUN LASTS by Alex da Corte, MET -NY

Cláudio Ivan Bezerra (CLIPP)

A supervisão de um caso apontava para o registro do imaginário como aposta no tratamento. Da construção do caso clínico à apresentação da vinheta na Seção Clínica da Clipp, abria-se uma questão que merecia uma investigação mais rigorosa sobre a força da imagem no tratamento analítico. Como pensar a psicanálise nos tratamentos paliativos?

Uma paciente em estágio de metástase enfrentava diversas cirurgias, tanto para a remoção de tumores, como para inserção da colostomia. Entre um pós-cirúrgico, e o início da quimioterapia acontecia o encontro com a psicanálise. Seu corpo bastante abatido, trazia uma mistura de indignação, culpa e angústia.

O caso localiza o corpo à revelia pulsional, pulsão de morte atravessando o organismo, trazendo consequências subjetivas por via do padecimento. O imaginário, antes pouco valorizado, passou a ser atualizado nas mais recentes publicações do campo Freudiano e, com isso, meu desejo de revisar alguns conceitos clássicos neste cartel, formava minha questão.

Qual o estatuto psicanalítico do novo imaginário na clínica do falasser?

Corpo, imagem especular, narcisismo e corpo-imagem revisitados

O corpo do sujeito i se dá pelo enlaçamento do real, simbólico e imaginário que apresenta diferentes funções isoláveis em seu organismo. Há uma consistência imaginária do próprio organismo que serve como base para a imagem especular no processo de criação do eu, ainda que despedaçada.

A imagem especular ii é concebida pela vivência anterior de corpo fragmentado que se junta através de uma imagem que tem a função de conectar peças soltas e lhes dá uma sustentação do corpo. Nesta, a relação inaugural com o Outro vai dar início à alienação do sujeito no eu. Pela Gestalt, este efeito formativo do corpo-organismo privilegia a imagem do corpo, onde o sujeito identifica-se e o toma em sua totalidade.

O narcisismo iii é uma operação que sustenta o arranjo e o desarranjo que a libido produz no corpo e que servirá como proliferador de imagens, resultando na constituição de um corpo e na formação do eu. Esta fase chamada por Lacan estádio do espelho comporá uma experiência precoce pelo acontecimento do júbilo e da depressão que comporão a matriz de uma primeira identificação narcísica, o eu ideal. Esta revisão torna-se mais precisa quando avançamos em sua conceituação teórica. Brousse iv, na revisão da leitura do estádio do espelho, dirá que o laço que faz das imagens e do organismo são as experiências de gozo.

O corpo imagem dirá a respeito de uma satisfação e servirá de nomeação como experiência de gozo que se inscreverá no registro simbólico, adquirindo assim função de significante. O significante, assim, como substância gozosa, revela o real de lalíngua, aquilo que toca o real do corpo. Bassols v definirá que o corpo da imagem é o corpo falante, afirmação que faz valer uma investigação desta imagem que se faz corpo.

Miller vi desdobrará o conceito lacaniano de o imaginário é o corpo através de três localizações. No primeiro, o corpo induz-se primeiramente como imagem no espelho, na origem da construção do eu (moi). Segundo, há um jogo de imagens entre Ideal do eu e Eu ideal, e, por último a construção dos nós está atrelada pelo viés de sua imagem de corpo que participa, primeiro, em economia de gozo.

A teoria do novo imaginário

Jésus Santiago vii localizará uma saída para a questão do imaginário diante da experiência de análise. Para isso, foi necessária uma subversão do imaginário, e nesta perspectiva se desfaz qualquer ideia hierárquica de um registro borromeano sobre o outro. A teoria do novo imaginário dá-se a partir daquilo que possa fazer compatibilidade com os orifícios de corpo. Se numa análise, o conceito de imaginário atrelado à imagem especular ficou desvalorizado em função de sua alienação e falta de autonomia, a revisão do imaginário se dá através daquilo que deixa restos.

Paliativo, novo imaginário e a clínica

Retomando minha questão sobre o uso do imaginário no dispositivo analítico, interrogo-me: qual estatuto do imaginário na clínica do falasser? Como se operar um tratamento analítico diante do desenganar médico?

Um corpo que se desintegra pelo avanço rápido de tumores, um tratamento quimioterápico de grandes efeitos colaterais e um desvio do intestino para fora do corpo. Mergulhada na tristeza e angústia diz “eu não sou uma merda”, metáfora que vem revelar esta instância do objeto dejeto, sem intermediação do véu. Contudo, eis que surge uma possibilidade do tratamento pela palavra, o revelar inconsciente de uma tentativa de defesa do ego pelo mecanismo de negação.

Este consentimento transferencial que possibilitou operar a partir do campo dos afetos e trabalhar questões edípicas do seu breve tratamento: a relação conturbada com a mãe, a perda precoce do pai e o não encontro com o amor. Revirando suas lembranças, brotavam-lhe os sons de palavras em italiano que marcava sua relação mais íntima com seu pai. Apesar da sua tenra idade, as ressonâncias dos ditos do pai italiano alcançavam um poder de júbilo.

Lacan diz que o estádio do espelho funciona como uma identificação, uma “… transformação produzida no sujeito quando assume uma imagem”viii e uma “assunção jubilatória” ainda especular e sem a dependência motora, que objetivará uma dialética com o Outro e lhe restituirá sua função de sujeito.

A corporizarão do gozo, como repetição significante, restituir-lhe-á seu corpo-imagem sob o efeito de lalíngua?

*Cartel: Novo Imaginário

i BASSOLS, Miquel. Corpo da imagem e o corpo falante. X Congresso da associação mundial da psicanálise. Disponível em: <https://docplayer.com.br/123677746-Corpo-da-imagem-e-corpo-falante.html> Acesso em: 20 abr 2016.
ii SCILICET. O corpo falante – sobre o incosnicente no século XXI. São Paulo: Escola Brasileira de Psicanálise, 2016, p. 151.
iii Idem p. 207.
iv BROUSSE. Marie-Hélène. Corpos lacanianos: novidades contemporâneas sobre o Estadio do espelho. Opção Lacaniana. Acesso em: 19 jan. 2023.

Disponível: http://www.opcaolacaniana.com.br/pdf/numero_15/corpos_lacanianos.pdf
v BASSOLS, Miquel. Corpo da imagem e o corpo falante. X Congresso da associação mundial da psicanálise. Disponível em: <https://docplayer.com.br/123677746-Corpo-da-imagem-e-corpo-falante.html> Acesso em: 20 abr. 2016.
vi MILLER, Jacques-Alain. O inconsciente e o corpo falante In: SCILICET: O corpo falante – Sobre o inconsciente no século XXI. São Paulo: Escola Brasileira de Psicanálise, 2016, p. 19.
vii SANTIAGO. Jésus. O novo imaginário é o corpo. Revista Derivas Analíticas. Disponível em <http://www.revistaderivasanaliticas.com.br/index.php/corpo2#:~:text=O%20corpo%20vivo%20do%20ser,Freud%20como%20%E2%80%9Ceu%20corporal%E2%80%9D> Acesso: em 19 jan. de 2023.
viii LACAN. Jacques. Estádio do espelho. In: Escritos.Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 1998, p. 97.