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As condições do tratamento e a sessão analítica

Carmen Silvia Cervelatti

A sessão analítica pode ser tomada num contexto geral – enquanto unidades são esses pequenos recortes frente ao trabalho analítico completo, ao mesmo tempo em que fundam também determinam a especificidade do analítico. Por que uma sessão é analítica?

 

Podemos tentar responder a essa questão diferenciando a psicanálise das psicoterapias ou as diversas orientações da psicanálise entre si; esse modo horizontal poderia estabelecer diferenças mediante estipulação de critérios comuns aos dois campos. Um outro método seria o vertical, ou seja, caracterizar o analítico pela sua especificidade através de seus conceitos e sua práxis.

 

Uma sessão analítica é aquela que permite o trabalho com o inconsciente, esta é uma maneira aparentemente simples e objetiva de responder. Mas como se trabalha com o inconsciente? Qual é o ponto de sustentação para daí extrair conseqüências? Sim, a sessão analítica e o trabalho da análise devem possibilitar conseqüências, mas quais? Que um sujeito possa fazer a experiência do inconsciente, esta é uma resposta possível.

 

Se considerarmos a lógica da implicação (se x, então y) entraremos no campo das condições e das conseqüências. Algo já deve estar estabelecido para que haja acontecimentos no decorrer das sessões analíticas e, conseqüentemente, conduza ao fim da análise? Dessa maneira, cada acontecimento deveria poder, de alguma forma, recuperar o anterior e conduzir ao próximo, construindo um percurso. Assim, o já estabelecido poderia implicar ou em regras ou em condições.

 

Recuperando Freud em “Sobre o início do tratamento (Novas recomendações sobre a técnica da psicanálise I)” podemos extrair o lá chamado de “condições de tratamento”, que sobre ele tem um efeito regulador. Alguns levaram a sério, rigidamente, a palavra “regras” utilizada por Freud quando faz a famosa analogia com o jogo de xadrez, sobre as jogadas de abertura e os finais desse jogo. Essas regras “adquirem importância por sua relação com o plano geral do jogo”. Chama tais regras de “recomendações”, desaconselhando qualquer “mecanização da técnica”, e relativiza sua eficácia constante: “… um curso de ação que, via de regra, é justificado possa, às vezes, mostrar-se ineficaz, enquanto outro que habitualmente é errôneo possa, de vez em quando, conduzir ao fim desejado.”(p.164). As razões apresentadas: “a diversidade de constelações psíquicas envolvidas, a plasticidade dos processos mentais e a riqueza dos fatores determinantes”.

 

Os pós-freudianos sempre insistiram em sua pertinência à doutrina freudiana, mas fizeram-na às avessas, transformando as recomendações em rigidez e regras já estabelecidas – o famoso enquadre, os standards oficializados desde 1920 pela IPA. As sessões são regidas por regras específicas para serem qualificadas de análise, qualquer modificação, por exemplo, uma periodicidade inferior a 4 sessões semanais não é considerada como psicanálise. Mas é interessante notar que, para cada autor, há um porquê para esse estabelecimento rígido do enquadre seja para interpretar transgressões, permitir regressão ao primitivo, estabelecer aliança terapêutica, etc.

 

E os lacanianos? Sessões curtas? Não seria uma maneira enquadrada, já estabelecida e, principalmente, já esperada, qualificando o “tipo” de sessão lacaniana? A sessão seria curta em relação a quê? Aos 45/50 minutos dos standards? É muito mais importante delimitar o momento de término de cada sessão, esse ponto de basta, como disse Miller em seu seminário “A erótica do tempo” (Rio de Janeiro, 07 e 08/04/00), que faz irregular o seu término: “a sessão analítica não é um lapso de tempo individualizado pela duração, é um lapso de tempo onde o sujeito é levado a fazer a experiência pura de reversão temporal que determina a significação do inconsciente”.

 

Frente à diversidade e à plasticidade do psíquico e da sua causação, como diz Freud, será que não podemos aí sim pensar no estabelecimento das condições da análise como uma regularidade, uma constante, um ponto fixo frente ao ponto no infinito que permitiria o início, a continuidade e seu fim (tanto no sentido de objetivo e direção como de término)? O regular, o constante daria sustentação ao novo e ao imprevisto.

 

Sendo assim, além de servir como um dos pontos que dimensionariam o necessário para a introdução no dispositivo analítico também daria suporte ao manejo do analista, desde sua posição transferencial. O desejo do analista ex-siste para dar conseqüências; as condições da análise (pagamento, freqüência, associação livre, etc) funcionam como ponto de sustentação de todo o decorrer de uma análise, das entrevistas preliminares ao término. Condição para o “acontecimento imprevisto” na “lógica da cura”?