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Atualidades Psicanalíticas #013

Ódio nas Bolhas

Por José R. Ubieto

As eleições nos Estados Unidos confirmaram o que a pandemia já havia mostrado a céu aberto: que o ódio funciona hoje como uma paixão que reúne pessoas em bolhas, segregando-as umas das outras.

A tese de Freud em sua Psicologia das Massas (1921) demonstra que a sociedade nasceu da identificação que todos tinham com um objeto comum, o líder que personificava um ideal coletivo. Hoje, é coisa do passado; o carisma dos líderes agora não funciona por encarnar um ideal, seja ele qual for, mas por demonstrar um gozo, quanto mais obsceno melhor, e aquele capaz de ressoar em cada um. Há o  “Eu não sou um estuprador, mas se eu fosse, não a estupraria porque ela não vale a pena”, frase de Bolsonaro (dirigido à deputada Maria do Rosário, durante o debate sobre uma lei de estupro) ou o “Por que acolhemos todas essas pessoas de países de merda?”, dito por Trump referindo-se aos países africanos e ao Haiti e El Salvador (em uma reunião sobre imigração). São esses ecos, no corpo de cada um, que formam as bolhas de ódio e fraturam o “nós” –  como aponta o linguista Jean-Claude Milner – deixando o inimigo de fora.

As redes sociais, e os algoritmos que as orientam, exacerbam este ódio ao favorecer o amplificador ou os filtros-bolhas onde só encontramos o que procuramos, aquilo em que nos reconhecemos, sem que haja espaço para a diversidade ou discussão das diferenças. A polarização, política e afetiva, aumenta a distância a cada dia, e não se trata mais, politicamente, de apenas incitar o medo, agora o que se visa – diretamente e sem véus – é o ódio como garantia do voto. O Twitter é a sua ferramenta mais útil, sem esquecer outras como o YouTube.

O problema é que o ódio tem suas raízes em cada um de nós, pois o que é odiado no outro é o que é mais odiado em nós mesmos. É o êxtimo, a coisa mais íntima de nós mesmos o que rejeitamos (a nossa fraqueza) e que colocamos no exterior, como se nos fosse radicalmente estranho. Essa coisa de mim mesmo –  que não reconheço – fica na outra margem.

A pandemia, reveladora da vulnerabilidade de nossos corpos e de nossas políticas de saúde e sociais, encontrou no ódio sua principal fórmula para negar essa fraqueza. Não é a existência do vírus que é negada; o que se nega é o que aquele vírus, em contato com o corpo, nos mostra: que nascemos num desamparo originário e que, só o assumindo, e no laço com o outro, podemos sobreviver. Negar essa evidência é uma verdadeira farsa, especialmente para si mesmo.

Por essa razão, saber algo mais sobre nós mesmos, daquilo que nos aborrece e perturba, nos conectando com nosso modo singular, sempre único, de ser vulneráveis, pode funcionar como uma vacina contra o ódio que destilamos.

 

Traduzido por José Wilson Ramos Braga Jr.
Publicado primeiramente em espanhol em 1 de dezembro de 2020. Disponível online no link https://tinyurl.com/y357tpkv 
Texto republicado com permissão do autor. Texto publicado em inglês na Lacanian Review Online em 10/12/2020 no link https://www.thelacanianreviews.com/hate-in-bubbles/