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Ecos da CLIPP nas IX Jornadas da EBP-SP – Vera Dias apresenta uma síntese preciosa das conferências de Marie-Hélène Brousse

Ecos da CLIPP nas IX Jornadas da EBP-SP

Vera Lúcia Dias

 

Durante sua especial participação nas IX jornadas da EBP-SP, Marie-Hélène Brousse, que já havia pronunciado anteriormente a ideia de que a solidão é uma ilusão, falou a respeito do tema tomando por base as formulações estabelecidas por Lacan no Seminário 20, “mais, ainda”. Em suas duas conferências – uma intitulada, “mulheres desejantes”, e outra, “o amor no feminino” – enfatizou os pontos essenciais aos quais se apoiou para abordar o aspecto da solidão no ser humano.

Indicando o fato de Lacan haver elaborado por meio de dois quantificadores lógicos, o da existência e o da universalidade, uma escritura para a sexualidade humana, Brousse considerou que tal formulação fez avançar não somente o discurso analítico, mas também o discurso do mestre e o discurso comum. Deu a tal escritura o nome de “logificação do hetero-erotismo”, sublinhando que, com essa nova lógica o que se percebeu foi uma ruptura, um corte sobre o dizer a respeito de homens e mulheres. Destacou ser possível enumerar, a partir dessa “escritura do hetero-erotismo”, pelo menos três consequências lógicas.

Uma, diz respeito ao princípio de que todos os seres falantes são exilados da relação sexual, haja vista Lacan ter formulado que o desejo é uma consequência do exílio da relação sexual.

Outra se refere à abolição do laço que comumente se faz entre o par homem e mulher, ao designar a mulher enquanto complementar. Na lógica do hetero-erotismo não se trata mais de uma qualificação complementar, mas sim, suplementar.

Como terceira consequência, citou que tal escritura favorece a universalização por meio da função linguagem. Defendendo inclusive a ideia de que isso além de conectar os avanços de Lacan à ciência, também antecipa os avanços do discurso comum. Ponto onde ela localiza os estudos sobre o gênero, mencionando o fato de não ser mais possível saber muito bem ao que nos referimos quando falamos de homem ou de mulher. Afirma então que isso ocorre não somente em função dos estudos de gênero, mas também porque a biologia modificou a definição do masculino e do feminino.

Brousse lembrou que, em geral, a expressão “desejo de”, no tocante ao gênero feminino, se refere na cronologia do ensino de Lacan, ao “desejo da mãe”, localizando a fórmula que permitiu a metáfora paterna e favoreceu a Lacan elaborar a admissão do simbólico. Destaca a época em que Lacan não falava muito sobre o “desejo da mulher”, uma vez que ligava o desejo à divisão subjetiva. Pois, nesse sentido o desejo é ligado ao Outro enquanto falta-a-ser, portanto, o Outro do qual o sujeito barrado é efeito. Evidencia também que, se de um lado o desejo é ligado à falta-a-ser, do outro, o amor é ligado ao ser.

Para situar no ensino de Lacan o aspecto da mulher desejante, Brousse recorreu ao Seminário 6, localizando nessa posição a mãe de Hamlet. É possível constatar, nas lições dedicadas a Hamlet, que com a morte do pai, ela não parece interessar-se muito por seu filho, mas por seu amante. Brousse refere que Lacan articula o desejo da mãe de Hamlet – enquanto mulher desejante – ao lugar do furo feminino, ou seja, especificamente ao lugar sexo. O lugar onde, no corpo, há um buraco. Aqui ela marca que uma mulher desejante começa por um real e, mesmo, por uma violência. Ainda a título de exemplificar o que seja uma mulher desejante, citou, também, Medéia que é a protagonista de outra tragédia.

Apresentou trechos da fala de um analisante, onde considerou ser possível falar de um gozo feminino sem renunciar ao gozo fálico. Demonstrou –  dentro da lógica do “não-todo”, do não-todo função fálica –, o vetor onde se localiza, no âmbito da psicanálise, a solidão. Lembra que a solidão chega ao analista como uma queixa e que, portanto, o trabalho consiste em encontrar o ponto de evidência do sofrimento. O ponto onde há a transformação da solidão em dor, em sintoma, tornando evidente que há o gozo da solidão. Brousse enfatiza que no Seminário 20, em relação ao gozo atrelado no corpo, Lacan situa a escopia corporal como um ponto de gozo.

Sem sombra de dúvida, são bastante densas e complexas as elaborações contidas nas conferências pronunciadas por Marie-Hélène Brousse, nas IX Jornadas da EBP/SP. Aguardemos, pois, a publicação impressa delas. Certamente valerá a pena conferir!