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Editorial Hades #17

EDITORIAL #17

Daniela de Camargo Barros Affonso (EBP/AMP/ CLIPP)

O que psicanálise e política têm em comum?

Nada, diriam muitos, afinal, uma trata do individual e a outra do coletivo. Contudo, esta edição de Hades vem demonstrar como ambas se articulam de forma indissociável. A própria democracia, as elaborações a seguir demonstrarão, é condição imprescindível para a existência da psicanálise.

É assim que Maria Bernadette Pitteri, no texto “O impossível de governar e o jogo das paixões na democracia”, lembra que “o inconsciente é nada solipsista, e se ‘a dialética do desejo não é individual’, o desejo do sujeito é sempre o desejo do Outro. É com o desejo que o analista lida na clínica e ter em seu horizonte a subjetividade de sua época é visar também a política, o que exclui a ideia de neutralidade”.

Carmen Cervelatti, no texto “O inconsciente provém do laço social porque a relação sexual não existe”, tece elaborações sobre o aforismo de Lacan “o inconsciente é a política” e afirma: ”Não há sujeito do inconsciente sem o Outro, por isso Lacan o definiu, no início de seu ensino, como o discurso do Outro e, como tal, enquanto discurso, tem a ver com o laço social. O Outro tem uma dimensão social”. Mas como a psicanálise deve estar no mundo? Trata-se de uma forma muito particular, a ex-sistência, pois se ela for absorvida pelo discurso do Mestre – perigo sempre presente – seu desaparecimento seria inexorável.

Em “A Política do inconsciente e a democracia”, Vera Lúcia Furst lança-se no desafio de articular esses conceitos e afirma que “Se levarmos em consideração que a dialética do desejo não é individual, apesar da experiência analítica dar uma impressão contrária, por se constituir num atendimento individual onde o sujeito fala de sua singularidade, o analista tem a responsabilidade de conhecer e enxergar a economia, a cultura, a política de sua época”.

A prática do “Gaslighting” é abordada por João Paulo Desconci em “A verdade à meia luz”. De acordo com o texto, “a prática psicanalítica se funda em deixar a maior liberdade ao sujeito para dar rédea solta às suas palavras, até chegar à mais íntima” e “a definição de política em relação à psicanálise, para Lacan, é instituída pela ordem do sintoma e tem como única ferramenta a interpretação”. Finalmente, de forma original e instigante, o autor propõe “um possível feminismo lacaniano”.

“Há várias maneiras de se recobrir o real; é preciso se proteger do real inexorável do falasser da não existência da relação sexual”. Esta frase de Carmen Cervelatti, pinçada do podcast da CLIPP, está na entrevista conduzida por Claudio Ivan Bezerra, que integra esta edição de Hades, em que ela aprofunda o tema do inconsciente e a política.

A leitura dos textos a seguir, e a escuta da entrevista no Podcast da CLIPP, compõem um debate atualíssimo e imprescindível, numa época em que a democracia está diuturnamente sob ataque, o que coloca também a psicanálise sob a mira do autoritarismo. Sua sobrevivência depende de discussões como esta.