Editorial #3/#4
EDITORIAL #03/#04 | 29 de janeiro de 2021 – www.clipp.org.br
Maria Bernadette Soares de Sant’Ana Pitteri
Nosso boletim, HADES#3/#4*, chega ao quarto/quinto número da série, em plena pandemia. A humanidade convive com pandemias desde milênios, mas corre o risco de derrota ao ser atacada por um vírus com o (ridículo) tamanho de 60 (pode chegar a 120) nanômetros (um bilhão de nanômetros cabe em um metro), que se espalha exponencialmente. Além do absurdo ceifamento de um grande número de vidas, o caos econômico deixará um rastro importante, mas incalculável até o momento.
Para Miller, real e natureza antigamente se confundiam, o que não surpreendia por ser o esperado, mas agora estamos diante de um real sem sentido e sem lei, mas tem nome – Covid 19, Coronavírus. Num mundo movido pela produção e consumo desenfreados próprios ao capitalismo e à economia neoliberal, a situação se apresenta no mínimo obscura.
É o momento de lembrar Lacan, que alerta para que se conheça bem a espiral a que a época arrasta o psicanalista e “… Que antes renuncie (à sua prática) quem não conseguir alcançar em seu horizonte a subjetividade de sua época”. Num momento de incertezas, o analista é chamado a responsabilidades das quais não pode se furtar. Perseveramos.
ENTREVISTA
ENTREVISTA: MARIA SÍLVIA GARCÍA FERNÁNDEZ HANNA
Autora do livro “A transferência no campo da psicose: uma questão”.
CLIPP – Maria Sílvia, na introdução do seu livro, você diz partir da fala de Lacan “Todo mundo é louco, quer dizer, delirante”, o que engloba todo ser falante habitado pela linguagem e atravessado por lalíngua, e isso leva a diferentes delírios na neurose e na psicose. Você utiliza delírio como significação, não sendo homólogos na neurose e na psicose. Pode fazer um breve comentário sobre a diferença?
MARIA SILVIA – Generalizar a loucura foi uma consequência das elaborações do último ensino de J. Lacan. Essa concepção fez cair a ideia de normalidade, que partia do modelo da neurose e situava a psicose como uma estrutura deficitária. Encontramos em Freud (1925) um antecedente para a afirmação de J. Lacan, que ordena a neurose e a psicose a partir de uma perda da realidade (retirada da libido dos objetos). Nesse sentido, a perda da realidade é para todos. A questão é como cada um faz com isso.
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ENSINO
O ANALISTA NÃO DEVE RECUAR DIANTE DA PSICOSE
Marizilda Paulino*
Lacan na Abertura da Seção Clínica de Vincennes (1977), ao ser perguntado por Miller se “a clínica das neuroses e a clínica das psicoses necessitam das mesmas categorias, dos mesmos signos”, responde: “A paranoia, quero dizer, a psicose é para Freud absolutamente fundamental. A psicose é isso diante do que um analista não deve recuar em nenhum caso”.
Essa frase, quase um refrão para os lacanianos, faz como entendê-la hoje e quais as elaborações que resultaram dessa orientação?
Convidamos Maria Silvia G. F. Hanna, EBP/AMP, para sustentar esse questionamento e Ariel Bogochvol, EBP/AMP/Associado da CLIPP, para os comentários, em uma atividade promovida pelo Núcleo de Pesquisa e Leitura sobre Apresentação de Pacientes e de Psicose da CLIPP. A Coordenação foi de Perpétua Medrado Gonçalves (CLIPP), coordenadora do Núcleo juntamente com Marizilda Paulino.
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RESSONÂNCIAS
PSICANÁLISE E PSIQUIATRIA: SOBRE A LÓGICA DO TRATAMENTO MEDICAMENTOSO
Eliane Costa Dias*
Que antes renuncie a isso, portanto, quem não conseguir alcançar em seu horizonte a subjetividade de sua época. (Lacan, 1953)
Esta afirmação de Lacan, em seu famoso “Discurso de Roma”[i], se tornou uma espécie de palavra de ordem nos últimos tempos, mas, nem por isso, menos inquietante ou desafiadora.
O que significa estar à altura da subjetividade de uma época marcada pelo ápice de um discurso que reduz tudo, ou seja, qualquer existência, a relações de produção e consumo?
A psicanálise tem a dizer, com Freud, que o mal-estar é inerente à condição do humano como ser-de-cultura. E, com Lacan, sabemos que o vazio estrutural, aberto pela entrada no campo da fala e da linguagem, funda o real inexorável da “não-relação sexual”, determinando que para todo ser falante, o impossível da completude e da complementariedade só possa ser imperfeitamente tamponado e estabilizado pela produção de sintoma. Como nos diz Miller[ii], todo ser falante chega ao consultório do psicanalista enlaçado a seu a parceiro-sintoma.
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PESQUISA
DESENREDANDO JOYCE
Angelino Bozzini
O encontro com a obra de Joyce propicia à Lacan a possibilidade de aprimorar sua teoria do “nó borromeano”, bem como sua hipótese sobre a psicose. Se o inconsciente é estruturado como uma linguagem, e uma das características da estrutura psicótica seria a foraclusão do significante Nome-do-Pai, ordenador do registro Simbólico, o desencadeamento do surto psicótico se daria no momento da desamarração do nó borromeano. Em Joyce, Lacan encontra uma nova solução para a manutenção do nó pela via de uma suplência levada a cabo por um sinthome, no caso de Joyce, sua escrita.
Se a teoria lacaniana nos ajuda a entender qual é a estrutura psíquica que organiza a escrita de Joyce, ela não nos leva muito longe no deciframento dessa escrita. Guimarães Rosa, por outras veredas da escrita, chega a alguns resultados similares aos obtidos por Joyce e pode nos servir de chave ao seu deciframento. Em seu conto Desenredo do livro Tutaméia, faz uma homenagem a Joyce, especificamente à Finnegans Wake.
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PESQUISA
INCONSCIENTE TRANSFERENCIAL X INCONSCIENTE REAL
Vera Lúcia Dias
Ao caminhar um pouco pelo curso de Miller ministrado entre 2006 e 2007 e cuja publicação em português carrega o título de Perspectivas do Seminário 23 de Lacan, pude pensar que, para aqueles que desejam adentrar nas especificidades da psicanálise de orientação lacaniana, este é um dos trajetos que se mostra fundamental.
Partindo do conceito de inconsciente transferencial, Miller introduz também o conceito de inconsciente real, localizando-o em no texto de Lacan Prefácio à edição inglesa do Seminário 11, escrito imediatamente após o término do Seminário 23, O Sinthome.
Do ponto de vista cronológico é notório que, entre o momento da apresentação propriamente dita do seminário 11 e a posterior escritura do prefácio citado, há um longo intervalo de tempo, já este seminário foi proferido no ano de 1964, enunciação decorrente do rompimento de suas relações com a Associação Internacional de Psicanálise, e a escritura do prefácio foi realizada em 1976.
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ATUALIDADES PSICANALÍTICAS
A SEDUÇÃO PUBLICITÁRIA NO DIVÃ
Cláudio Ivan Bezerra
Como pensar a publicidade pelo viés da psicanálise hoje? Embora muito já se tenha escrito e dito no decorrer das décadas, é importante estarmos atentos a que o discurso publicitário sempre muda, se arroja e traduz os anseios de uma época, a fim de entregar nas mãos de sujeitos-consumidores o tão ilustrado objeto de desejo.
Os publicitários, marqueteiros e produtores audiovisuais estão à frente! Grandes aliados do capitalismo seguem responsáveis por criar cenários estimulantes, prover demandas, sugestões e necessidades e empurrar mercadorias que conectam com as demandas de uma época.
Por um lado, a Geração dos babies boomers [1940-1960], os filhos do pós-guerra que sonhavam com a paz e o amo, foi um passo para a materialização do chamado American Way of Life, que serviu não só como meio de consumo, mas como posicionamento de bem-estar e estilo do que deveria ser a vida após a 2a Guerra Mundial.
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ATUALIDADES PSICANALÍTICAS
VOCÊ AINDA ACREDITA NO SEU SINTOMA?*
Gustavo Dessal **
Para Lacan, o homem moderno é aquele que perdeu o sentido da tragédia. Isso não significa, é claro, que a existência atual do falasser não seja atravessada pela tragédia, nem que a civilização tenha alcançado um estado de bem-estar que supera o anterior, nem que o sofrimento não continue sendo um dos principais ingredientes da condição humana. Significa, antes, que o homem moderno começa a perder o sentido de tudo isso, ou seja, começa a deixar de ler na dor os sinais da verdade. Significa que o homem moderno deixou de conceber um distanciamento entre sua facticidade e as possibilidades de realização de seus sonhos, porque não só a civilização contemporânea deixa de exigir uma renúncia, mas também inocula nele a convicção de que a felicidade está ao alcance de todos.