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Louis Althusser: Identificação patronímica ao gozo Um  

Carlos Ferraz Batista
Trabalho apresentado nas VII Jornadas Pai-Versões 2017  Escola Brasileira de Psicanálise. Seção SP
Eixo: Os nomes-do-Pai e as Identificações do sujeito

Louis Althusser, noivo na época, morreu na guerra com a queda de seu avião. Seu irmão casou-se com a noiva enlutada. Em homenagem ao falecido, deram o nome ao filho de Louis Althusser: filósofo que entrou para a história por meio de suas idéias e escrita.

Em sua autobiografia, a descrição do pai biológico nos faz pensar no pai da horda, de Freud, “o pai exceção que desfrutava de todas as mulheres, o pai usurpador, que foi assassinado pelos filhos e que depois do ato foi glorificado, ao preço de um sentimento de culpa, a instauração da lei, produzindo o desejo”[1]. Segue uma das descrições de seu pai feitas por Althusser: “Meu pai, no fundo muito autoritário separara as áreas e os poderes: para sua mulher, o lar e os filhos; para ele, sua profissão, o dinheiro e o mundo exterior. Jamais tomou a menor iniciativa sobre nosso lar nem nossa educação”[2].

É possível afirmar que em suas memórias pululavam pessoas que tinham representatividade de função paterna. Utilizava-se do artifício de ser o pai do pai.

Laço significativo, no sentido positivo é a identificação simbólica – tardia e prescrita? – com seu avô. No final de sua autobiografia faz do nome do avô[3] – nome próprio, mas em seguida rejeita a idéia e retifica sua condição patronímica.

Pensamos que a identificação com o pai da realidade não teve o simbólico como operador. Sua identificação parece ter ocorrido pela morte, por meio do nome do tio, nome de um homem morto.

O Outro é o norteador do sujeito, que se enlaça pela demanda de amor, pelo desejo de seu desejo: a relação parental; o valor que a mãe dá a palavra do pai são elementos que instauram o lugar do pai. Lacan complementa: “a sua autoridade, em outras palavras, do lugar que ela reserva o Nome-do-Pai na promoção da lei”[4].

Nessa visada, assim Althusser parecia interpretar o desejo da mãe: “Quando me olhava, provavelmente não era a mim que ela via mas, às minhas costas, no infinito de um céu imaginário para sempre marcado pela morte, um outro, esse outro Louis, cujo nome eu carregava, mas que eu não era”[5]. Assertiva elucidativa. Ele não disse: não era eu, mas, eu não era. Nos faz pensar em um eu à deriva, sem a ilusão de um lugar de referência.

Lendo a autobiografia ficou instituído para nós a identificação com o nome próprio, marcada pela certeza e concretude, mantendo-se não dialetizável.

Ao comentar sobre o nascimento e nome da irmã, Althusser ressalta a herança patronímica e enuncia: “Um novo nome de morte”[6]. Esse pequeno fragmento tem por meta realçar a determinação subjetiva, idéias do sujeito e levantar a hipótese de que a identificação foi pelo real, como bem esclarece Milller “O gozo como tal é Uno, ele provêm de Um e não lece, por ele mesmo, relação com o Outro”[7]. Sua interpretação de seu nome manteve-se inalterável, sendo substância de gozo, evidenciando o mortífero do sujeito.

Certo dia Althusser faz uma passagem ao ato e estrangula a esposa. “No domingo 16 de novembro às nove horas, tirado de uma noite impenetrável e na qual desde então nunca pude penetrar, encontrei-me ao pé de minha cama, de roupão. Helène deitada à minha frente, e eu continuando a lhe massagear o pescoço, com a sensação intensa de que meus antebraços estavam doloridos. Depois compreendi, não sei como, a não ser pela imobilidade de seus olhos e daquela pobre pontinha de língua entre os dentes e os lábios, que ela estava morta”[8].

Percebe-se a experiência crepuscular acompanhada do ato; não houve registro psíquico, como se o ato não tivesse existido para o sujeito. Na passagem ao ato, o sujeito está elidido, fora da cena, a posição é de morto. Há vacuidade após o ato, uma ausência significante, um encontro com o nada, com o real.

O elemento morte seria o UM de Althusser? Um ato sem dizer, sulcando um vazio enigmático, sendo no só-depois que o sujeito poderá ou não significar. Lacan apresenta a constituição da psicose: “É num acidente desse registro e do que nele se realiza, a saber, na foraclusão do Nome-do-Pai no lugar do Outro, e no fracasso da metáfora paterna, que apontamos a falha que confere à psicose”[9]. Há uma foraclusão significante, um furo no simbólico, uma mensagem que não chega ao sujeito, mas aparece no real.

Com o assassinato Althusser foi condenado à impronúncia, considerado inimputável, curatelado, proibido de lecionar e publicar.

Na narrativa se queixa de não ter passado pelos meandros da Justiça, não obtendo uma pena, tendo a sensação de condenação eterna.

A morte pela impronúncia foi uma pena sem fim. Por que escrever uma autobiografia? Laia pontua: “as entrelinhas do enigma deverão ser apreendidas, também, literalmente: há uma amarração, um entrelaçamento – e as linhas dos escritos, passando umas sobre as outras, formam um nó que, na trama mesma do texto, corporifica tanto uma articulação em que um autor se aperta, se concerne, quanto um ponto importante e cifrado em que um gozo, um uso é localizável”[10].

A autobiografia poderia se constituir em uma função para laço e nomeação?


Referências:
[1] FREUD S., Totem e Tabu, Contribuição à História do Movimento Psicanalítico e Outros Textos. São Paulo: Companhia das Letras, (1912-1914), ebook, vol.XI. [2] ALTHUSSER L., O futuro dura muito tempo; seguido de Os fatos. São Paulo: Companhia das Letras, (1992), p. 41. [3] Pierre Berge.   [4] LACAN J., Escritos. De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose, Rio de Janeiro, Ed. Zahar, (1998 [1955-1956]), p. 537.   [5] ALTHUSSER L., “O futuro dura muito tempo; seguido de Os fatos”, op. cit., p.54.   [6] Ibid., p.15.   [7] MILLER J-A., Os seis paradigmas do gozo, Opção Lacaniana online nova série, nº 7, março 2012, p.47.   [8] ALTHUSSER L., “O futuro dura muito tempo; seguido de Os fatos”, op. cit., p.224.   [9] LACAN J., Escritos. “De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose”, op. cit., p. 582.   [10] LAIA S., Os escritos fora de si – Joyce, Lacan e a loucura. Belo Horizonte: Autêntica/FUMEC,2001, p. 13.