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PROPAGANDA POLÍTICA NA DIMENSÃO PSICANALÍTICA

     “One trick pony”Francesca Facciola

Cláudio Ivan Bezerra (CLIPP)

Esta pesquisa se dá num cenário contundente da política brasileira, marcada por uma polarização, que faz sofrer na pele os efeitos devastadores de conjunturas manipuladas pela máquina da propaganda política nos mais avançados meios digitais. Uma considerável parcela da sociedade apresenta-se convicta pelo poder narrativo de fake news, pós-verdades, que estão atreladas a discursos de grande periculosidade já vividas pela humanidade, como o Fascismo, Nazismo, Necropolítica, entre outras formas de opressão e ideologias.

Minha questão inquietante é marcada pelo desejo de ir mais adiante nas investigações do efeito comunicacional e o espelhamento das identificações em massa por Freud. Busco elucubrar um entendimento da relação de consumo da propaganda política, atrelado àquilo que toca diretamente o pulsional do sujeito, na amarração do discurso. A Propaganda Política, enquanto meio de Comunicação Social destinado às massas, como consegue tocar o mais particular de cada sujeito?

A propaganda política está fundamentada como organização focada em influenciar a opinião pública. Desde os primórdios da sua utilização é voraz e chega a ocupar o primeiro lugar na hierarquia dos poderes totalitários na modernidade. Lenin defendia que o mote da propagada política estaria em agitar todas as camadas do povo. Hitler considerava a propaganda como forma de conservar o poder e meio para conquistar o mundo. Para Napoleão, um governo deveria se preocupar com o assentimento da opinião pública, pois ali concentrar-se-ia a fonte do poder político.

O DNA da propaganda política é a produção de linguagem destinada à massa e sua forma de fusão se dá através dos veículos de mídia de uma época. A propaganda bolchevista articulava-se pelo uso da psicopolítica, ou seja, uma estrutura organizada entre propagandistas e agitadores que se manifestavam nos mais diversos meios de comunicação, endereçados nos mais diversos segmentos, a fim de angariar um maior número de seguidores. Goebbels, o ministro da propaganda da Alemanha nazista, junto com Hitler, corrompeu o conceito leninista da propagada implementada com traços próprios em sua execução. Hitler tinha como objetivo produzir grandes excitações em massa, através de suas invocações de sangue e raça, incutindo assim o ódio profundo, misturado com o desejo de potência, resultando em guerra e encenações catárticas. Contudo, descreve-se que muitos alemães seguiam Hitler e por ele morriam, não porque o amavam ou detestavam, mas sim porque tinham se tornados autômatos em suas mãos. Mas o que isto quer dizer?

Uma das análises sobre o êxito no funcionamento da propagada política se dá pela interpretação da “Teoria dos Reflexos de Pavlov”,i fundamentada na ideia de estímulo e resposta, através de comportamentos involuntários. Neste condicionamento sustenta-se que há um aprendizado, atrelado à associação de estímulos de prazer e desprazer, no clássico experimento aonde os cães respondiam ao estímulo-aprendizado sonoro – através da produção de saliva.

Outra forma de análise da propaganda nazista e seus efeitos no consumo social foi realizado através da Teoria Hipodérmica, desenvolvida por Harold Lassweel, em Propaganda Tecnniques in World War de 1927, que sustentava a ideia de que uma massa era formada por indivíduos isolados em posição passiva diante do processo de comunicação, e que esses meios teriam a função de representação fidedigna da realidade. A ideia behaviorista parece colocar o indivíduo numa posição responsiva, apenas ao efeito de significação, à mercê de um adestramento comportamental. E o inconsciente? Qual lugar ocuparia?

Em a Servidão Voluntária (1548) Boétie traz elucubrações elucidativas sobre o porquê homens, vilas e nações se submetem à servidão de um tirano. O determinante desejo de perda da liberdade está fundamentado em três pontuações: o hábito, que engloba aqueles que já nasceram no sistema de servidão; a religião (ou a superstição), que se coloca em torno da figura de um líder; e por fim, a estrutura do poder fermentada que está ao seu redor. Assim, parece abrir-se uma espécie de encantamento pela ordem tirânica, um caminho mais fértil para se pensar em como a economia libidinal conecta-se um discurso de ordem política.

No Avesso da Psicanálise (Seminário 17), Lacan fundamenta quatro discursos que localizarão a posição de assujeitamento do indivíduo diante destas estruturas.

 

Fonte: Livro 17 seminário  o avesso da psicanálise.

 

O Discurso do Mestre, como aquele que opera na ordem de um único significante, coloca o agente a trabalhar para a realização da exigência por meio de uma operação marcada pelo deslizamento da cadeia significativa. O significante único no lugar do agente (S1) põe em movimento o trabalho (S2) sustentado pelo enigma do desejo do senhor ($), localizado na parte de baixo da barra, caracterizando um inconsciente não revelado. Abaixo da barra encontraremos a substancialidade da produção do trabalho escravo (a) que promove uma amarra ao sistema discursivo a partir da posição de assujeitamento. Esta montagem parece fazer solda, não apenas pelo efeito comunicacional, mas sim pela satisfação de ordem inconsciente, condicionada ao modo de gozo.

O efeito promovido pela propaganda política toca em algo de pulsional do sujeito. Miller pontua que há uma relação primitiva dos significantes com o gozo. Isto significa que, o discurso como estrutura, é capturado pela libido e faz que haja repetição do gozo. Aqui o gozo não se dá mais por transgressão e sim por entropia, que é um desperdício produzido pelo significante, o mais-de-gozar. Contudo, o gozo oriundo do imaginário, aquele caracterizado pela ferocidade do supereu no Estádio do Espelho, opera concomitantemente com o gozo liberado pelo deciframento na instância simbólica, e vem dar corpo ao sentido, ao mesmo tempo que o aprisiona e coloca num circuito fantasmático.

 

Bibliografia

SANT’ANNA, Armando. Propaganda: Teoria, técnica e prática. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2003.

LACAN, Jacques. O seminário, livro 17: O avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1992.

MILLER, Jacques-Alain. Os seis paradigmas do gozo. São Paulo: Opção Lacaniana. Disponível em: <http://opcaolacaniana.com.br/pdf/numero_7/Os_seis_paradigmas_do_gozo.pdf> Acesso em: 14 jan. 2023.

BOÉTIE, Étienne de La. Discurso da Servidão Voluntária. São Paulo: Edipro, 2017.

 

iDisponível em: https://brasilescola.uol.com.br/psicologia/condicionamento.htm> Acesso em: 27 jan. 2023.