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VIOLÊNCIA É SINTOMA?

Perpétua Medrado Gonçalves (CLIPP)

[…] Acaso não sabemos que nos confins onde a fala se demite começa o âmbito da violência, e que ela já reina ali, mesmo sem que a provoquemos?” i

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Agradeço pelo convite e pela oportunidade de escrever no Boletim HADES sobre questões tão complexas como são as manifestações de violência em nossos dias que, de tal forma generalizada, torna-se um fenômeno de civilização, com suas implicações sociais e subjetivas.

“É na perspectiva de uma política, mais precisamente de uma política do sintoma, que recolhemos estes três significantes (ódio, cólera, indignação) na tentativa de ler o mal-estar que vige impulsionado, sempre, pela incidência da pulsão de morte”.ii

Neste pequeno recorte, vou abordar a violência na contemporaneidade. Ela está relacionada ao declínio das referências simbólicas, à fragilidade da função paterna e às exigências de gozo. A consequência é o declínio da função paterna e a desorientação dos sujeitos submetidos aos imperativos do gozo. No lugar do pai, aparece o supereu como imperativo.

Como isso se manifesta? Com o aumento da violência, da agressividade, de automutilações; de sintomas como adição às drogas, ao alcoolismo, solidão, passagens ao ato, pânico. Ou seja: o mal-estar na civilização como foi concebido por Freud.

Vou tomar como guia o texto “Crianças violentas” de Jacques – Alain Miller pela precisão teórica e pela questão: seria a violência um sintoma?

Em “Crianças violentas,” conferência preparatória para a IV Jornadas do Instituto Psicanalítico da Criança, Miller inicialmente opõe a violência ao sintoma, perguntando “se a violência na criança é um sintoma?”iii No decorrer do texto, modifica sua posição diferenciando uma violência sintomática de uma violência sem por quê. “Pois quem diz sintoma em psicanálise se refere ao deslocamento da pulsão, ou pelo menos, em termos freudianos, à substituição de uma satisfação da pulsão – o que, entre os lacanianos, pode-se traduzir em gozo”.iv

Miller traz elementos para responder se a violência na criança é um sintoma. Ele cria alguns pontos que se relacionam à violência como sintoma, modificando o que disse anteriormente.

Primeiro ponto: a violência na criança não é um sintoma, é, na verdade, o contrário de um sintoma. É a marca de que o recalque não operou. Pergunta: de que pulsão a violência – e, especialmente, a violência na criança – seria a satisfação? Tentarei esta resposta: a violência não é um substituto da pulsão; ela é a pulsão. Ela não é o substituto de uma satisfação pulsional.v

A violência como sintoma é aquilo que tem valor de exigência de amor ou de queixa pela falta a ser. Miller acrescenta que no registro de Eros, a violência é um substituto para a satisfação imprevista da demanda por amor.

Para Miquel Bassols, “a violência é correlativa à perda de autoridade do significante mestre como tal. Digamos que na medida em que o sujeito não pode autorizar-se na Lei do desejo sustentada nesse significante mestre, há um recurso necessário a violência, também à violência do simbólico que reina ali nos confins da palavra”.vi


i LACAN, J.Introdução ao comentário de Jean Hipolite. In: Escritos, Rio de Janeiro: Jorgr Zahar Ed., 1998, p.376.

ii Comissão cientifica – Argumento do IX Enapol. ÓDIO, CÓLERA, INDIGNAÇÃO:
DESAFIOS PARA A PSICANÁLISE. Disponível em: https://ix.enapol.org/argumento/

iii MILLER, J-A. Crianças violentas. In: Opção Lacaniana nº77, Agosto 2017, p.23.

iv Idem, ibidem, p. 23, 24.

v Idem, ibidem, p. 26.

vi BASSOLS, M. In: Rayuela Revista digital da Nova Rede CEREDA. Disponível em: http://www.revistarayuela.com/pt/004/template.php?file=Notas/Acto-de-violencia.html