Maria Cristina Merlin Felizola (CLIPP)
Este tema me trouxe à lembrança um filme, que marcou muito minha geração: “Laranja Mecânica”, de Stanley Kubrick (1971), baseado no livro de Anthony Burgess (1962). No enredo, jovens apresentam atitudes violentas e cruéis, sem contorno algum, e o tratamento proposto é uma terapia baseada na teoria behaviorista. Esta se mostrou tão violenta quanto o sintoma a ser extinto.
Como a psicanálise pensaria este tratamento? A violência é traduzível em palavras, é simbolizável ou simbolizada? Ou é sem fala, puro gozo no real? Como manter o vivo sem que seja mortífero?
Para a psicanálise, o sintoma se refere ao deslocamento da pulsão: tratar-se-ia da substituição de uma satisfação pulsional em Freud, ou ainda um gozo recusado em Lacani. A violência sem fala ocorre quando não há deslocamento, quando não há substituição de gozo – é a satisfação direta da pulsão de morte, já que a trama simbólica não foi suficiente para operar como modo de tratamento da pulsãoii. Seria da ordem de uma irrupção.
Penso que, em ambos os casos, o analista pode fazer uma leitura da violência para além da via da decifração. Através de suas intervenções, o analista torna possível ao sujeito ler, circunscrever, fazer borda ao gozo e cernir, ainda que através de algum artifício, tornando possível o deslocamento dos afetos para o sintoma. Acredito que a psicanálise seria a melhor opção para o tratamento desses jovens e cito Jésus Santiagoiii: “Por mais que a morte seja a adversária do amor, apenas o sintoma é capaz de deter a insistência repetitiva própria da pulsão de morte.”
i Miller. J. A. “Crianças Violentas”. In: Opção Lacaniana, 77. Abril de 2017. São Paulo, Edições Eolia.
ii Miller. J. A. “Crianças Violentas”. In: Opção Lacaniana, 77. Abril de 2017. São Paulo, Edições Eolia