Um Bom Analista
Por Bogdan Wolf
Como a contratransferência passou a desempenhar um papel tão importante na ortodoxia da psicanálise atualmente? Paul Geltner, um psicanalista radicado em Nova York, especializado em fenômenos contratransferenciais, publicou recentemente um livro em que fala francamente sobre os “usos do sentimento” na prática analítica, embora sua experiência se baseie em dar supervisão 1.
Seu foco principal constitui o que alguns chamam de estágio pré-verbal ou o que ele nomeia de fase pré-linguística do desenvolvimento da criança. O que deflagra a comunicação emocional ocorre, segundo Geltner, sob a forma de uma “indução” que ativa um processo, ou uma reação em cadeia, de “comunicação emocional”. No entanto, a indução nem sempre é bem-sucedida. Geltner admite em seu trabalho como supervisor que a sessão analítica gira em torno da experiência da fala com a participação de pelo menos duas pessoas que se comunicam alternadamente. Contudo, ele afirma que isso é apenas metade do que acontece no consultório. Os outros 50% decorrem da “comunicação emocional”, da transmissão dos sentimentos ao analista, das trocas de afetos com vista a induzir emoções no analista cuja intervenção surge como uma indução bem-sucedida. É certo, pode-se dizer, que os sentimentos podem ser reais e avassaladores.
De fato, o que Lacan chamou de real, deriva do corpo de afetos que escapa da trama da linguagem e do sentido sobre o qual se baseiam as teorias da comunicação, interrompendo a fala ou acelerando-a, fazendo-a desviar para uma direção surpreendente ou silenciando-a. A experiência clínica o confirma. Como se a linguagem não bastasse para que a comunicação falhe, alguns analistas tendem a escorar essa falha com o éter dos sentimentos que pode preencher o vazio da mesma maneira como os astrofísicos falam das ondas gravitacionais que preenchem o espaço entre os corpos celestes. Para Geltner, a sessão analítica é um cenário de gravidade mútua e atração recíproca produzida sob o nome de comunicação emocional e trocas de gozo entre analista e analisando. Vamos questionar qual é o princípio subjacente deste modelo. Qual é a razão do choro da criança, Geltner se pergunta e responde à sua pergunta. Para o recém-nascido, o choro visa induzir a comunicação emocional na mãe. A mesma imagem, na qual ele modela outras interações, pode então ser aplicada na relação analítica.
Isso contribui para minha tentativa de definir um bom analista. Se adotarmos a abordagem de Geltner, um bom analista é aquele que supõe que o analisando tem um saber sobre a subjetividade do analista. A contratransferência é um caso de análise inacabada? Isso não é uma confusão ou um erro. É um projeto. Você me ama e fala comigo, amo falar com você. É como uma música. O objetivo é atingir um certo nível de banalidade e permanecer lá. Essa é a orientação geltneriana. Como seria uma sessão analítica na orientação lacaniana do ponto de vista da contratransferência? Não haveria sessão lacaniana do ponto de vista da contratransferência. Já estamos na alienação.
O que Lacan encontrou no espaço da alienação foi o que escapa aos diálogos e à comunicação. Ele chamou esse resto o objeto a porque é insubordinado e não escuta nem se submete a nenhum dos lados na divisão. A rigor, o objeto a pertence a outro corpo, como Lacan ensinava na época, e pode, portanto, ser encarnado pelo analista que se recusa a satisfazer alguma suposição de “realidade externa” de outro sujeito. Esse outro corpo é o lugar onde Lacan encontrou incrustada a causa do desejo de saber. É o mínimo absoluto que sustenta a sessão analítica no nível da transferência, assim como o momento aristotélico, o agora é suficiente para sustentar o tempo. Mas se o agora sustenta outro agora, a transferência não sustenta outra transferência. Pressupõe a fala ou o sujeito da fala. Graças ao objeto a, Lacan soube recusar a banalidade no nível das trocas afetivas de transferências na sessão. Ele deslocou a banalidade para o sujeito como falar, associar, ser feliz até que venha a pagar pela sua castração e se torne infeliz e dividido. Será que a contratransferência é o ponto em que os psicanalistas de hoje formam dois campos ou conjuntos radicalmente distintos?
No final da primeira década de seu ensino, Lacan chamou de contratransferência “a participação do analista na sessão” – um reconhecimento modesto e diplomático do dilúvio dos teóricos da contratransferência que rejeitaram a perspectiva de Freud – empatia em Kohut e Greenson, identificação projetiva em Klein e Bion, funcionamento cenestésico em Spitz e, na década de 1970, em Krystal (sistema afetivo não verbal), Stern (sintonia afetiva), Maroda (envolvimento emocional) e, mais recentemente, em Kernberg, Resnik, Ogden e outros. Lacan ficava cada vez mais irritado com a insistência na reciprocidade dos “sentimentos” na sessão analítica, e definia o amor narcisista como recíproco e sempre correspondido. Meio século depois, Geltner e outros descendentes dessa tradição ainda fazem uso dela com sucesso. Na década de 60, as coisas estavam prestes a mudar drasticamente.
Lacan foi aos poucos reorientando a causalidade e a temporalidade da sessão analítica e na prática do processo analítico, deslocando-o do impasse do pingue-pongue emocional para o status epistemológico da transferência do sujeito querendo saber sobre o corpo de sofrimento: amor, ódio e ignorância. Enquanto ele inseria o objeto a como um resto da fracassada comunicação entre o sujeito e seu destinatário, seus colegas na plateia estavam anotando o que viria a formar a maior parte de um dossiê, levando à extirpação de Lacan da IPA um ano depois. Lacan escolheu o termo para isso – excommunica – cuidadosamente por sua referência ao estilo da Igreja para exclusão da comunidade mas, com efeito, a partir do que é comum e coloquial, como era a contratransferência na época.
Naquele ano decisivo, 1963, Lacan abordou a questão da participação do analista na sessão, retirando os fenômenos do amor que constituíam a suposição da contratransferência, e estudou os relatos de analistas como Paula Heimann, Annie Reich, Margaret Little, Barbara Low, Lucia Tower entre outros. Lacan se questionou sobre essas mulheres analistas: como elas tinham se tornado incapazes de não responder à demanda de amor de seus pacientes e absorvê-lo em seus sonhos e subjetividade? Não seria algo na hiância entre a angústia e o desejo do analista? Lacan situou na hiância do último, o não-sem da primeira – o objeto a em sua função de causa. O retorno à causa o tornou freudiano, o que ele confirmou no famoso depoimento de Caracas em 1980. Hoje, após décadas de ensino de Freud, Lacan e Jacques-Alain Miller, poderíamos continuar a construir a série e dizer, ecoando as palavras de Lacan: “Vocês podem ser milerianos se quiserem, mas eu sou lacaniano”. Acontece que todo lacaniano é antes de tudo freudiano – freudiano à noite, lacaniano durante o dia e, às vezes, o contrário.
Alguns tópicos convergem para nós neste ponto. O que ecoa na afirmação de Lacan, e o que lhe permitiu captar a carne e o osso da transferência em torno do objeto a, isso me ocorreu, foi esse momento exato da excommunica. É nesse momento que Lacan pode reinserir a causa, não mais encarnada por um pai morto, que ofuscou a IPA, mas pelo objeto que permanece presente como ausente no consultório porque é o desejo de saber que o faz passar pela porta quando a comunicação dos gozos e a gravitação recíproca das realidades falham, desde que haja um corpo, qualquer corpo mas, sobretudo, um corpo sexual do analista que aí o mantém. Podemos isolar esta etapa, este gradus, no seminário de Lacan sobre a angústia, como um momento decisivo, anterior a 1964, quando Lacan já se dirigia aos lacanianos do futuro.