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Atualidades Psicanalíticas #29

Urgência: Entre a Verdade e o Gozo

 Por Ricardo Seldes

A urgência é um furo no tempo, é o momento da eternização. Quando um acontecimento traumático irrompe, surge a perplexidade, independentemente do diagnóstico estrutural. A resposta subjetiva virá depois. A urgência é um momento de estranheza, com fenômenos inusitados, que podem produzir confusões diagnósticas nas primeiras entrevistas.

Traumatizamos o trauma? Se sim, como o analista-trauma intervém na urgência? O que ele faz é tentar se livrar do saber acumulado acessível tanto para os profissionais quanto para as instituições. Os serviços de atendimento a emergências também acumulam experiências e isso pode gerar contágios que impedem a percepção das singularidades. No que se refere ao indivíduo em urgência, trata-se de captar de que forma ocorreu a súbita erupção dos fenômenos de gozo, dos fenômenos de separação, ali onde o sujeito desaparece. Nossas intervenções visam tornar legível algo do inefável.

Aquilo que nos permite compreender o mecanismo da urgência é a psicose. O delírio é uma interpretação, algo que dá sentido ao que irrompe na vida da pessoa e produz um ponto de perplexidade, que podemos qualificar como um momento de espera de sentido, um momento enigmático e insatisfatório. Trata-se de traumatizar esse não-sentido, sem alimentá-lo com um novo sentido. Em todos os casos, o trabalho com o sujeito em urgência deve nos dar uma ideia da alienação em jogo nos fenômenos de separação.

Parafraseando Lacan em seu texto “Do sujeito assim em questão”. Podemos contentar-nos com o fato de que – enquanto durar um traço do que estabelecemos – haverá  psicanalista-trauma para responder a certas urgências e transformá-las em subjetivas. Que cada um encontre em si algo da linguagem que fala, capaz de produzir algum significante que ponha o tempo novamente em movimento, para que o passado possa existir como tal.

Para nos situarmos na urgência, usamos o fenômeno elementar como metonímia imóvel ou como metáfora impotente. Utilizamos o “operador de perplexidade” na medida em que a situação normal do ser humano, como efeito do significante e traumatizado por lalíngua, é ter que decifrar um significante. Da mesma forma, tomamos a questão da paranoia inicial de todo sujeito no início de uma análise, o significante da transferência, que autoriza as interpretações subsequentes, para que homologuemos esse significante ao que está no início de um delírio.

O significante Um é sempre elementar, não se sabe o que significa, está à espera do saber, aquele do S2 ou do delírio. Todo saber é delirante e a ilusão é uma forma de saber, com o elemento da ilusão que está sempre presente na invenção.

No trabalho da urgência falada, algum gozo começa ser perdido. É possível produzir um significante mestre, um S1 na urgência, isto é, no contexto de um cenário de emergência? Defino urgência subjetiva como a chance de fazer uma experiência diferente com a fala, e que isso muda as coisas.

Sabemos também que o analista, que é o destinatário do sofrimento daquele que se faz objeto do gozo do Outro, deve ter uma ideia dos rincões do sentido como defesa contra o real sem lei. Faz parte das sutilezas do ato do analista saber quando fazer alguém falar e quando é melhor calar, delimitar um tema, algumas palavras, para que o próprio sujeito invente suas garantias.

O saber que está em jogo em uma análise, que inclui emergências (urgências), é saber sobre um certo número de fenômenos, de mutações subjetivas, de palavras que agiram e transformaram o sujeito. A gente fica sabendo sobre algo e, ao mesmo tempo, que algo deixa de existir.

A psicanálise autoriza, nos impasses da urgência, a busca do que sobressai nas “pausas” entre a verdade e o gozo. Uma humilde oferta para cada um aceitar na sua própria medida.

 

Tradução: José Wilson Ramos Braga Jr.
Revisão: Leny M. Mrech

Texto republicado com permissão do autor. Publicado em inglês na Lacanian Review Online em 20/02/2021 no endereço eletrônico
https://www.thelacanianreviews.com/urgency-between-truth-and-jouissance/