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O inconsciente é estruturado como a linguagem

Cristina Merlin Felizola
imagem: Instagram @sugaronyoursouls

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Talvez seja esta uma das principais teses de Lacan, pois ao se aproximar do movimento estruturalista, embora por um breve período, conseguiu fazer da psicanálise um saber reconhecido dentre as ciências humanas.

Durante os anos 50 – 60 o movimento já considerado como Estruturalismo foi um movimento de contestação e contracultura. Este trazia uma nova visão para abordar as culturas “primitivas” e o homem de uma maneira geral. Ao propor este novo modelo, os estruturalistas se depararam com a questão de que o conhecimento só pode se impor se for inspirado no modelo da ciência ou se conseguir se transformar em uma teoria. Foi a Linguística Estrutural que serviu de modelo de cientificidade, já que há muito se constituíra num instrumento de análise linguística, através de Saussure e dos formalistas russos.

É dela que sai a raiz da elaboração metodológica de Lévi-Strauss, que tanto influenciou Lacan. O próprio Lacan admitiu ter sido sustentado e levado por seu discurso, ao ressaltar a função que tem o significante na linguística: este não apenas se distingue por suas leis, mas prevalece sobre o significado ao lhe impor estas leis. Para Lévi-Strauss, o Estruturalismo é a teoria do simbólico por enfatizar a natureza inconsciente dos fenômenos culturais. Os textos O feiticeiro e sua magia e A eficácia simbólica evidenciavam o modelo lógico, a estrutura que permeava os fatos sociais, a função simbólica como lei da organização inconsciente das sociedades humanas, assim como o inconsciente como órgão cuja função seria impor leis estruturais. Com a equiparação da cultura a um conjunto de sistemas simbólicos e com a noção de inconsciente, Lévi-Strauss forneceu a Lacan condições de formular uma teoria da constituição do sujeito baseada não só na biologia, mas também no social.

O mito individual do neurótico pode ser considerado o primeiro texto de Lacan que mostra a influência do Estruturalismo em sua obra. Nele, o Complexo de Édipo é revisto na abordagem estruturalista e é lido como um mito, onde cada elemento desempenha uma função. A proibição do incesto dá ao sujeito um lugar no sistema de relações, o que transforma o ser biológico num sujeito humano, ou seja, tem sua entrada no sistema simbólico.

Se para Lévi-Strauss o homem nasce com a linguagem, para Lacan o homem nasce a partir do significante, é a ordem simbólica que constitui o homem. Quanto ao inconsciente, suas leis são homólogas as da linguagem.

É no Discurso de Roma que Lacan apresenta seu programa estruturalista e a teoria estrutural do tratamento psicanalítico; neste, critica três aspectos tão em uso à época: a função do imaginário, relacionada às fantasias na transferência; a noção das relações libidinais de objeto e as questões sobre contratransferência e formação do analista. Estes aspectos levaram os analistas a abandonar o fundamento da fala e da linguagem e, para Lacan, a linguagem deveria ser priorizada. É no chamado retorno a Freud que temos a consolidação do movimento estruturalista em sua obra, e os textos A carta roubada; A coisa freudiana e A significação do falo, mostram tanto o desenvolvimento, como a aplicação desse pensamento em seus escritos.

A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud (LACAN, 1957/1998) é um texto tipicamente estruturalista; é considerado uma síntese desse momento, onde Lacan pretendeu reformular a psicanálise nos moldes do Estruturalismo. Os pontos destacados foram: o percurso do significante, a determinação do sujeito pelo significante e a prática psicanalítica revista à luz do Estruturalismo, pois o inconsciente é estruturado como linguagem.

Para Jacques-Alain Miller[i], Lacan é estruturalista, pois sua noção de estrutura vem de Jakobson, por intermédio de Lévi-Strauss; porém, Lacan é um estruturalista radical, pois se ocupou da conjunção entre a estrutura e o sujeito, embora a questão estrutura/sujeito não existisse para os estruturalistas. Ao mesmo tempo, afirma que Lacan não é de modo algum estruturalista, pois sua estrutura é antinômica e incompleta.

Lacan teve um longo percurso na psicanálise, e a aproximação do movimento estruturalista permitiu a ele elevar a psicanálise a um saber reconhecido, um saber inserido na Academia, já que grande parte da intelectualidade francesa dos anos 50 assumiu este paradigma como a própria expressão da modernidade em Ciências Sociais.

Contudo, o simbólico não deu conta, há um real que se impõe e que simbólico algum pode aplacar. Mas, ao aproximar a psicanálise das Ciências Humanas, pôde expandi-la mundo afora. Será que leríamos Freud e Lacan hoje, sem este esforço de Lacan?


[i] Miller, Jacques-Alain. Percurso de Lacan – Uma introdução. p.24. Rio de Janeiro
Bibliografia
Dosse, François. História do Estruturalismo. São Paulo: Editora Ensaio, 1993, 2vlos.
Lacan, Jaques. O mito individual do neurótico. Lisboa: Cooperativa Editora e Livreira. CRL.,1987
Lacan, Jaques. Escritos, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,1998.
Lévi-Strauss, Claude. Antropologia Estrutural. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro Ltda, 1975.
Miller, Jacques-Alain. Percurso de Lacan – Uma introdução. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988, p.24.