O Dizer do Sexo
Por Rosa Elena Manzetti
Na sexta lição do Seminário Identificação, [1] Lacan inicia sua elaboração sobre a diferença entre o nome próprio e o nome comum. Ao contrário de Stuart Mill e Sir Alan Gardiner, ele identifica a especificidade do nome do lado da escrita: há uma afinidade entre o nome próprio e a marca, o signo.
Ao mesmo tempo, ele aborda uma questão crucial, o que é Sem-Nome [Nameless] [2] na estrutura. O neurótico – diz ele – se sustenta no eu forte, “tão forte, diríamos, que seu nome próprio o importuna, que o neurótico é, no fundo, um Sem-Nome.” [3] É importante ter em mente que essa é a lógica das estruturas clínicas que tende a identificar o traço comum, ao contrário da clínica que visa apreender a singularidade.
“Seu nome próprio é um incômodo para ele”, não o deixa em paz. Isso evidencia a ausência de determinação subjetiva, a dificuldade em concluir e tomar decisões. O oposto de certeza.
Em última análise, “o neurótico é Sem-Nome” define o sujeito deste lado da análise e, consequentemente, indica que o nome próprio está do lado da singularidade. Lacan, ao definir o neurótico como um Sem-Nome, mostra ao mesmo tempo a orientação de uma análise.
Afinal, o que “é um incômodo” é fora do comum, efeito da singularidade, justo o que o neurótico tende a apagar, enquanto o reivindica. Somente ao final da análise, o sujeito o faz sem a queixa de “pequenas diferenças”, visto que se tornou a “diferença absoluta”.
O “Sem-Nome” assume diferentes formas dependendo dos analisandos. Pode assumir a forma de uma pergunta: como você pode ter certeza de que é uma mulher ou um homem? Como ter certeza de que essa é a escolha certa? Como ter certeza de que é isso que eu quero? É uma busca de identidade que só um nome que não seja fictício, mas o nome do que fica irredutível no final de uma análise, possa pôr um fim.
Portanto, o “Sem-Nome” é o efeito da oscilação significante que está em jogo antes que o real revele ao sujeito sua cifra, seu nome próprio.
A garantia não pode vir do Outro, vem apenas do ato. Até a garantia em relação ao sexo vem do ato. Aí vem a dimensão do que Lacan designa como a escolha do sexo em termos de autorização. Ele dirá em 1974 que “o ser sexuado só é autorizado por si mesmo” [4]. Deve-se destacar que o ato sexual é um real que não está escrito no ser. A única certeza quanto à identidade sexual vem do fato de o sujeito se responsabilizar por seu gozo. O ser sexuado é a montagem pulsional, o mito fabricado por um sujeito para modelar e estruturar o gozo. É a forma como a sexualidade é ordenada no inconsciente. Ao que não existe, responde um modo de suplência que se traduz em uma certeza produzida.
Em Televisão, Lacan aponta que, embora não possamos prescindir do mito que serve para encobrir o real da estrutura, ele não garante a decisão. Lemos, de fato, que “mesmo que as lembranças da repressão familiar não fossem verdadeiras, seria preciso inventá-las, e não se deixa de fazê-lo. O mito é isso, a tentativa de dar forma épica ao que se opera pela estrutura. O impasse sexual [impasse] secreta as ficções que racionalizam a impossibilidade da qual provém. Não as digo imaginadas, mas leio aí, como Freud, um convite ao real que responde por isso” [5].
Há um real na base, comum a todo ser falante [parlêtre], mas além disso há uma relação com tal real, específica de cada sujeito, relacionada ao mito produzido para nomear o real do sexo. O real justifica o lugar do mito também na experiência analítica. O mito é uma ficção que serve para encobrir o real.
Mas como o sexo é um real? É um real, não somente porque a sua experiência é sempre diferente daquela que se imagina, mas também porque não é possível inscrever a experiência de uma vez por todas, pois envolve sempre uma dimensão imprevisível. O ato sexual é sempre contingente.
O “não há relação sexual” de Lacan [6] deduzida do dizer de Freud, indica que no encontro com o gozo há um real que não está escrito. Portanto, a questão é a resposta singular dada por cada sujeito a este “não há relação sexual”. Essa resposta será o dizer do sexo de cada ser falante. O que está em jogo na análise é identificar o dizer do sexo, como real do sexo.