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NOITE DE DEBATE SOBRE O ENSINO

Maria Helena Barbosa

A Diretoria da CLIPP promoveu um debate sobre o ensino da Psicanálise no âmbito da Escola e do Instituto, em 28 de março.

A partir da pergunta feita por Jacques-Alain Miller, “Como está o ensino na Escola?”, na reunião com a EBP, por ocasião do último Congresso da AMP, Sandra Grostein instigou os oito associados da CLIPP membros da Escola a responderem à questão “Como, quando e por que me tornei membro da Escola e qual a diferença do ensino no Instituto e na Escola”.

Após a exposição de cada um dos presentes, seguiu-se um debate com a comunidade CLIPP.

Um primeiro ponto a ser destacado desta atividade é a relação que ficou evidente entre a própria análise e a solicitação para ingressar como membro da EBP. Tornar-se membro da Escola surge como um efeito da análise nos relatos apresentados. Há um endereçamento da transferência onde a experiência de Escola e a implicação com a política da Psicanálise participam da formação do analista.

Partindo da Proposição de Lacan onde ele afirma que “Nenhum ensino de Psicanálise é possível”, da noção de o que se ensina é um saber incompleto, que se ensina da posição de analisante um saber que não se sabe, considerou-se o quanto é complexa a questão do ensino em Psicanálise.

Tendo isso em vista, a diferença do ensino na Escola e no Instituto foi tomada como uma oposição em que estabelece uma tensão, mas que na maioria das vezes se confunde e se entrelaça.

Alguns pares foram elencados para marcar esta diferença:
– na Escola o saber suposto, no Instituto o saber exposto;
– na Escola a psicanálise em intensão, no Instituto a psicanálise em extensão;
– na Escola o desejo de saber, no Instituto o imperativo de saber;
– na Escola o ensino a próprio risco, no Instituto o ensino pautado num projeto coletivo;
– na Escola a transmissão, no Instituto o ensino;
– na Escola o trabalho de transferência, no Instituto a transferência de trabalho;
– na Escola a psicanálise pura, no Instituto a psicanálise aplicada e o recenseamento.

Para avançar no debate, retomamos o contexto em que foi criada a Escola de Lacan, a fundação da EBP, e os dias atuais.

Antes mesmo de fundar a Escola, Lacan, numa primeira cisão com a IPA, fundou um Instituto em que pôde trabalhar um programa de formação que fora recusado por seus pares. No entanto, quando da segunda cisão com a IPA, Lacan funda sua Escola, com as três Seções de psicanálise pura, aplicada e recenseamento, e sem um Instituto. Propõe o ensino da Psicanálise via cartéis e passe.

Já o Instituto fundado por Jacques-Alain Miller, em 1987, teve em vista que o discurso analítico, suportado pelo suposto saber, tende a fechar-se sobre si mesmo, autodestruindo-se quando não confrontado com outro discurso. A contraposição do Instituto é importante para que o saber exposto lhe faça barra. Serviria, conforme propõe Lacan ao fundar o Departamento de Psicanálise de Paris VIII, para “estimular sua Escola, servir-lhe de aguilhão”. Ele se constitui de um ensino universitário, sistemático e não habilita para o exercício da Psicanálise.

Já a história do lacanismo no Brasil, podemos situá-la desde 1981, com a vinda de Miller. A criação da EBP, em 1995, fez-se necessária para aplacar o efeito de grupo tão mortífero à Psicanálise. Inicialmente houve um movimento de dissolução dos grupos para, posteriormente, haver a fundação da EBP.
No Brasil, a Escola sempre foi ligada ao Instituto, principalmente em São Paulo onde o IPP foi anterior, antes mesmo da fundação da EBP. As outras Seções se constituíram no mesmo formato. Isto colocou em questão o ensino que ficou favorecido no Instituto, tirando o fôlego da Escola.

Ao colocar em pauta a pergunta de Miller, “Como está o ensino na EBP?”, percebemos que o ensino tem ficado mais do lado do Instituto, como uma acomodação – no Instituto o ensino, na Escola a transmissão.

É problemático o ensino estar somente do lado dos Institutos. Se a IPA privilegia o laço entre as pessoas, a Escola privilegia a relação com o saber – o que se ensina é saber fazer com aquilo que não se sabe. É da ordem de um ensino que está do lado de uma transmissão com o saber e o fazer da Psicanálise que pressupõe o inconsciente e a transferência. Não dá para ensinar a Psicanálise sem acreditar no inconsciente e na transferência – conceitos de que não temos como abrir mão no ensino da Psicanálise, e quando se ensina Psicanálise, ensina-se da posição de analisante.

Falar na Escola é falar de ensino ao próprio risco; falar em nome próprio é muito mais difícil para quem está começando e isto acaba dificultando para os mais novos cujo saber está cheio de furos.

Por outro lado, supor o ensino como de atribuição do AME, cujo saber suposto é inquestionável, que não precisa ficar pautado num saber exposto, seria supor um ensino da Escola e não é disto que se trata o ensino na Escola.

No Colóquio sobre A Escola de Lacan, Miller situou o conceito de Escola e de passe como partes integrantes do ensino de Lacan. Talvez o mais próximo do ensino na Escola seja o AE e o cartel, as duas bases da Escola de Lacan.

O que constatamos, entretanto, é que os cartéis, embora endereçados à Escola, são, efetivamente, formados no Instituto.

Também os seminários a próprio risco, ou são muito poucos, ou são formados a partir das atividades do Instituto.

Desta forma, como o Instituto pode servir de aguilhão e mobilizar algo na Escola no sentido de se perguntar o que estamos fazendo com a Psicanálise? Como o Instituto pode ser um aguilhão em direção à Escola?

Constatamos que, via de regra, a entrada na Escola ocorre através dos Institutos. Nesse sentido, o Instituto pode ser um aguilhão em direção à Escola, naquilo em que o saber explícito transmite de um saber vivo para os que pretendem a formação.

Destacamos a particularidade de São Paulo que possui três Institutos, o que evidencia uma distinção entre o Instituto e a Escola, o que não acontece nas outras Seções e Institutos, em que ambos estão em maior contiguidade.

No entanto, fica a pergunta: até que ponto esta distinção não é somente imaginária, faltando consistência no que diz respeito à sua função de aguilhão e efetivamente marcando a diferença com a Escola?

Será na diferença dada ao tratamento às manifestações do inconsciente e da transferência no ensino de Lacan onde se encontraria a chance de constituir uma direção deste aguilhão para sair da diferença de serem três Institutos, para efetivamente imprimir uma diferença que suscite a Psicanálise?