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A VERDADE E SUAS TEORIAS

Cada um alcança a verdade que é capaz de suportar” Jacques Lacan

Cláudio Ivan Bezerra (CLIPP)

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A verdade tomada como conceito é algo muito mais complexo do que seu uso arbitrário no sentido falado. Isso porque sua conceituação esbarra em questões da ordem do pensamento filosófico e leva em consideração a atualidade do momento, das circunstâncias científicas e do contexto cultural.

Aventurar-me nos principais conceitos da teoria da verdade expandiu-me as possibilidades para pensar a verdade além do sentido freudiano, e particularmente, a verdade como instrumentalização de discursos de época, o que resplandece na atualidade pelo viés da polarização sociopolítica e fornece acesso à compreensão sobre o efeito civilizatório no decorrer da história.

Consultar os filósofos é sempre um convite a repensar o paradigma humano e suas questões existenciais. A seguir trago de forma sucinta algumas teorias da verdade e reflexões para os dias atuais.

Teoria da verdade como correspondência

A teoria clássica, que tem origem no diálogo O Sofista de Platão, sintetizada por Aristóteles em sua Metafísica, no famoso dito: “dizer do que é que não é e do que não é que é, é falso; e dizer do que é que é, e do que não é que não é, é verdadeiro i”, ou seja, a verdade é aquilo que é e a falsidade é aquilo que não é. No sentido pragmático isso significa que a verdade está sob a correspondência de algo; não se trata de algo que seja pura criação do sujeito. Essa teoria concebe a verdade como algo pré-existente ao ser humano.

Embora essa teoria tenha sido usada por mais de dois milênios, foi na década de 1930 que o matemático e lógico Alfred Tarski demonstrou que a teoria da correspondência tem certa estrutura matemática, a partir de teoremas, proposições matemáticas sobre o próprio conceito de verdade, o que causou uma das maiores revoluções nas matemáticas, uma vez que se passou para uma aplicação lógica. Uma teoria matemática tem sempre uma linguagem e princípios básicos como axiomas e lógicas subjacentes, que permitem determinadas conclusões, hoje tão difundidas pelos conceitos-chave da Psicanálise Lacaniana – que trabalhamos dentro e fora da clínica – dos conceitos dos quatro discursos lacanianos, tábuas da sexuação, grafo do desejo etc., com uma consistência aritmética.

A teoria pragmática da verdade

Um dos maiores pensadores norte-americanos, Charles Sanders Peirce (1839-1914), desenvolveu uma concepção sobre a verdade no sentido pragmático. Nesta teoria, estabelece-se que, mesmo diante de crenças, proposições ou situações que possam ou não, dar conta completamente da realidade – como a mecânica de Newton, tudo se passa como verdadeiro nesta acepção. Isso porque a verdade, no sentido pragmático, leva em conta o critério de significação que estipula seu significado para qualquer conceito, nada mais que a soma total das consequência práticas concebíveis.ii

Seu conterrâneo e também filósofo e psicólogo William James (1842-1910), embora tenha seguido a mesma linha de Peirce, apresenta uma pequena diferença ao incluir a religião no pragmatismo. Conceber ou não a existência de Deus, mas sim o que disto pode vir a funcionar e satisfazer certas condições. Logo, a religião é pragmaticamente verdadeira.

Muito embora essa teoria não contemple teoremas, há uma forma de tornar isso preciso por meio da teoria dos modelos pragmáticos, que não contraria a concepção matemática de Tarski; ao contrário, amplia e dá profundidade. É também conhecida como a teoria da “quase verdade”.

Impossível não pensar aqui na dimensão freudiana sobre a verdade do sujeito, oriunda da experiência com a fenomenologia.

A teoria da coerência

Otto Neurath (1882- 1945) austríaco, filósofo da ciência, sociólogo e economista político, diz que aceitamos a teoria física ou a da relatividade, exatamente porque não há uma correspondência. Ao falar sobre a realidade já se a teoriza, e, sendo assim, não é possível comparar com a realidade. Chega-se à realidade pela teoria, entretanto, não se pode comparar a teoria com a realidade. Isso leva a consequências de pensamentos como, por exemplo, a ideia de não poder saber o que são as coisas em si, como é a realidade – trata-se de como aparece, não necessariamente como é.

A consequência disso é gerada pela impossibilidade de conseguir tomar uma posição rigorosa sem se basear em hipóteses filosóficas e metafísicas, já consideradas, a princípio, impossíveis de se provar. Logo, a sociedade está inserida num grupo de crenças aceitas naturalmente como verdadeiras, e assim o são pela via da coerência, consistência e compatibilidade.

Na teoria da coerência não há porto algum. Neurath diz que “somos como marinheiros que precisam reconstruir seu barco em mar aberto, nunca podendo desmontá-lo em uma doca seca e reconstruí-lo lá com os melhores materiais iii. Vivemos num rodamoinho, no qual não é possível sair da prisão da linguagem. A própria ciência é uma atividade em constante processo investigação, e por isso não haveria uma base fixa de suporte.

Teoria da eliminação

Esta teoria tem origem nos anos 1920 pelo matemático e lógico inglês Frank P. Ramsay (1903-1930), conhecido como o pai do deflacionismo. Baseia-se na dessubstancialização do conceito de verdade, retirando-lhe qualquer carga metafísicaiv e colocando a palavra como um pleonasmo, a verdade como redundante, deflacionando tudo aquilo que possa servir como indagação sobre a natureza da verdade. Com isso, o âmbito da verdade e o do verdadeiro, pertencem exclusivamente ao campo pragmático da linguagem, pelo uso da retórica.

BIBLIOGRAFIA

COSTA. Newton C. A. “Teorias da verdade”. In: Capítulos de Psicanálise – nº 10. São Paulo: Biblioteca Freudiana Brasileira, 1989.

i Aristóteles. Metafísica – Livro 4. Edición Trilingue por Valentín Garcia Yebra. Espanha: Editorial Gredos, 1982 – p. 207.

ii WAAL, Cornelis de. Sobrepragmatismo. Trad.: Cassiano Terra Rodrigues. São Paulo: Edições Loyola, 2007, p. 18.

iiiNEURATH, Otto. Sociology and Physicalism. Trad. de Morton Magnus e Ralph Raico. In: AYER, Alfred J. 1959 (a) p. 221.

ivGHIRALDELLI JR.,Paulo. Teorias da verdade–Brevíssima introdução. UNIFAP, 2021. Disponível em <https://www2.unifap.br/borges/files/2011/02/Teorias-de-Verdade-Brev%C3%ADssima-Introdu%C3%A7%C3%A3o.pdf> – Acesso em 01 dez 2021.