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LÓGICA LACANIANA

Maria Bernadette Soares de Sant´Ana Pitteri

O Seminário 19 vem antes do 20 e depois do 18, e isto, embora possa parecer um chiste, não é um simples truísmo. No Seminário 18 vemos Lacan na busca lógica por um “discurso que não fosse semblante”, pois todos o são.

“… o título De um Discurso que não fosse semblante, foi para fazê-los sentirem, e vocês o sentiram, que o discurso como tal é sempre discurso do semblante.”

A demonstração de que todos os discursos são semblantes, ou seja, de que todos os discursos se desenvolvem a partir de um significante mestre em nome do qual se fala, como observa Miller , exige de Lacan a passagem pela lógica. Buscar um discurso que não fosse semblante, é buscar um discurso que fuja do imaginário, um discurso do real, um discurso do que não pode ser dito. Fazendo um percurso lógico extremamente denso, Lacan chega à “não-relação sexual”.

No capitulo VI do Seminário- livro XVIII, De uma função para não escrever, Lacan critica a lógica aristotélica e passa desta lógica, logica das proposições, para a lógica matemática dos quantificadores . Ou seja, ele passa da lógica aristotélica, primeira tentativa na história do pensamento para formalizar a linguagem comum, para uma lógica cuja notação não seja verbalizável, mas matematizável, pode ser escrita.No capitulo VIII O homem e a mulher e a lógica suas incursões o levam a negar o quantificador existencial, o que era proibido na logica clássica criada por Aristóteles.

O Seminário XIX,…ou pior, continua o percurso lógico de longo fôlego trilhado por Lacan, para extrair as consequências da não-relação sexual. Ao comentar o titulo proposto, …ou pior, ele observa que as reticências marcam, nos textos impressos, um lugar vazio, e que “essa é a única maneira de dizer alguma coisa com a ajuda da linguagem” . Partindo daí e numa referência ao Seminário XVIII, Lacan interroga a lógica e diz que nas reticências estaria um verbo, mas que em lógica, o verbo é justamente o que não se pode elidir. Lacan o faz e, sendo “pior” um advérbio, no lugar das reticências, no vazio, ele coloca um argumento, “isto é, uma substância” no lugar do verbo coloca um dizer. E qual foi o argumento colocado nesse lugar vazio? Uma proposição completa – “não existe relação sexual” – no sentido em que não se pode escrevê-la, mas por isso mesmo é preciso escrever a outra relação, aquela que tampona, que barra a possibilidade de escrever a primeira. “Um dizer” é o que Lacan propõe como verdade, mas como esta só pode ser dita pela metade, na outra metade entra o pior.

A verdade já implica o discursoO que não quer dizer que ela possa ser dita. Eu me mato dizendo que ela não pode ser dizer, ou só pode ser meio-dita” .

O que Lacan adianta com esta verdade, verdade que implica o discurso, mesmo sendo este um meio-dizer, é que o sexo biológico não define qualquer relação no ser falante. Comentando o não todo – a negação do quantificador existencial – e falando de lógica, ele pede a seus ouvintes que leiam a Metafisica e os textos lógicos de Aristóteles, para que possam acompanhar sua exposição. Recomendação a ser sempre enfatizada.
Assim, no Seminário XIX, Lacan passeia pela lógica desde os primórdios do pensamento ocidental (desde o Parmênides de Platão) ate a lógica da teoria dos conjuntos, atual. Fazendo uso do quadrado das oposições aristotélico , Lacan cria as fórmulas da sexuação, cria o quadrado da sexuação. Lacan se vale (como ele consegue?) dos avanços da lógica nos séculos pós-aristótelicos para enunciar que “não existe relação sexual” e partindo do Parmênides de Platão (por sinal, considerado um dos diálogos mais complexos deste autor) chega ao Há-um (Yad´lun), conceito fundamental para o desenvolvimento de sua lógica. De Platão a Aristóteles passando por Frege e chegando aCantor e à teoria dos conjuntos (como ele consegue?), Lacan teoriza um novo saber, novo em relação a todo o conhecimento humano, até a chegada da Psicanálise.
O Seminário XVIII tem todo um arcabouço lógico que perpassa o XIX e desemboca no XX, na teoria dos gozos; Lacan parte de Um discurso que não fosse semblante para atingir o que não é semblante, o gozo. “O gozo, este sim, existe. É preciso que possamos falar dele.” .

No Seminário XIX e antes dele no XVIII, toda a lógica desenvolvida por Lacan prepara o XX, o seminário que teoriza a relação complexa entre amor e gozo, sem deixar de lado o diálogo com Aristóteles. O amor parece vinculado ao desejo no Seminário VIII (A Transferência) que analisa o Banquete de Platão, mas no XX esta questão surge na oposição entre gozo fálico e gozo suplementar, o Outro gozo. É quando Lacan recorre aos místicos para teorizar, utilizando-se de outra lógica, esta lacaniana.
Afinal, ele vai usar as fórmulas que aparecem no XIX e depois no XX, usar a lógica dos predicados de Aristóteles, mas não toda. Vai usar, partindo dela, a notação da lógica dos quantificadores e, ao mesmo tempo em que faz uso desta lógica, a subverte: a parte masculina é de origem aristotélica, mas a parte feminina subverte toda a lógica clássica, é totalmente nova. A lógica lacaniana foi criada para teorizar a questão do gozo ou dos gozos, problema para a Psicanálise desde, pelo menos, Analise Terminável e Interminável de Freud.

Maria Bernadette Soares de Sant´AnaPitteri
Publicado: Carta de São Paulo – Ano XIX – Maio/Junho 2012.

Lacan, Jacques, O Seminário, livro 19: … ou pior. Rio de Janeiro: Zahar, 2012, p.218.

Miller, Jacques-Alain, Lettre enligne – nº 42.

Lacan, Jacques, O Seminário, livro 18: De um discurso que não fosse semblante.Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 20º9,p. 102/103.

Idem, Ibidem, p.131.

Lacan, Jacques, O Seminário, livro 19: … ou pior. Rio de Janeiro: Zahar, 2012, p. 11.

Idem, Ibidem, p.12.

Idem, Ibidem, p.12.

Idem, Ibidem, p.218.

Que não foi criado por Aristóteles, mas montando pelos medievais a partir dos textos lógicos aristotélicos, trabalho fantástico.

Idem, Ibidem, 218.